Só entrando na cultura para identificar o sentido exato das palavras. 
 
Apesar do dicionário em comum, são distintos Brasis. 
 
É preciso morar no interior da prosa, enamorar-se das inflexões, para entender e ser entendido. 
 
Há sutilezas na linguagem de cada Estado. 
 
No Rio Grande do Sul, por exemplo, quando alguém fala “pior” está dizendo que é verdade. “Pior” é sinônimo de “você tem razão”. É uma concordância emocional. 
 
Quem é de fora pode assimilar que é um xingamento, um comentário desagradável, uma oposição, uma conclusão de terra arrasada, um juízo de desconforto, uma absoluta negação daquilo anteriormente pronunciado. Mas não: gaúcho expressa “pior” como uma extensão do seu “bah”. É um “Ok” da mais profunda preocupação. Para o ruim e para o bom, não dando para diferenciar direito  a gravidade dos fatos. 
 
- Zé se apaixonou.
- Pior! 
 
- Francesca não consegue esconder os seus pensamentos.
- Pior! 
 
Serve como uma interjeição de susto afirmativo. De espanto cúmplice. 
 
Quanto maior a anuência, mais “o” se enfileira na dicção: piooor! O “o” é a boca aberta, como um “não acredito” acreditando. 
 
Em Minas, existe também uma língua muito peculiar, riquíssima em variedade. O que é parecido pode ser extremamente diferente. Depende mesmo da construção. Frases similares mostram um contexto único. 
 
Demorei a identificar. E já cometi algumas gafes e vexames no meio de uma conversa, em especial nos almoços com os parentes de minha esposa, onde desatava a ser agradável e não lia as placas de sinalização dos comentários: devem ter pensado que eu era um sem noção. 
 
Quando o mineiro sopra o “cê tá doido" não é ofensa, não vem constatando que perdeu o prumo, que extraviou o juízo, que cometeu algo de errado. É um respeito com o que aconteceu, uma solidariedade diante de uma adversidade.  
 
“Cê tá doido” é tipo uma reverência ao seu problema, é o mundo que está fora dos eixos e  você sofreu um desengano numa situação ingrata possível de ocorrer com qualquer um. Tira o peso de suas costas de uma eventual responsabilidade. 
 
- Pedi uma informação na padaria e a atendente me mandou para um lugar nada a ver.
- Cê tá doido.
 
- Estacionei o carro na rua. Quando voltei, encontrava-se todo arranhado.
- Cê tá doido. 
 
Já quando o mineiro declara “cê ficou doido”, você estará sendo xingado de verdade. Ele não sentiu nenhuma compaixão, demonstra uma clara contrariedade, não localizou nenhuma justificativa para tal disparidade, vê que pisou na bola e agiu de má-fé. 
 
- Alguém me pediu informação na rua e mandei para o outro lado. 
- Cê ficou doido. 
 
- Bati levemente no carro da frente ao estacionar, mas ninguém viu. 
- Cê ficou doido.
 
Uma leve modificação, uma mínima torção no enunciado e temos realidades opostas e até conflitantes. 
 
Em “cê tá doido”, você é vítima. Em “cê ficou doido”, você é o agressor. No primeiro caso, você recebe um abraço ou tapinhas nas costas de conforto. No segundo, você deve pedir desculpa em seguida para não aumentar o desconforto. 
 
Shakespeare tinha espírito caboclo: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.” Nem toda loucura aqui é igual.