Quando converso com alguém mais velho, na casa dos 70 anos, em Minas Gerais, há grandes chances de, na hora de cumprimentar, descobrir que o nome dele é composto.
Os nomes das pessoas mineiras mais antigas são compridos como fazendas. Porque a família é grande, e eles carregam o prenome igual aos seus muitos irmãos.
Eu acho bonito esses seres gêmeos da convivência. Esses gêmeos do cartório.
Quem tem hoje quatro filhos e acha que exagerou na dose não tem ideia de como era contar com uma dezena de crias pela casa.
Para não errar no momento de chamar, os pais criavam uma dinastia de Luízes ou Joões ou Pedros, assim como uma escadinha de Marias ou Anas. Ficava mais fácil lembrar e reduzia os riscos da confusão.
A única diferença entre eles vinha no segundo nome.
Há quem estranhe o hábito de gerar tantos rebentos no mundo. Mas, se atualmente se previne a gravidez com medo de ter mais uma boca para alimentar, na época, o raciocínio era o contrário: quanto mais, melhor; significava mais uma mão para garantir o sustento. Os filhos aumentavam as chances e promessas de renda.
Não se trabalhava para o sucesso pessoal, mas para a sobrevivência da família.
As primas da minha esposa, por exemplo, são todas Marias: Maria Clara, Maria Geralda, Maria Lúcia, Maria Elisabeth, Maria Teresinha e Maria de Lourdes. Das dez gestações, seis foram de mulheres, com o batismo igual.
Não sofrem com a semelhança, não reclamam da uniformidade – pelo contrário, mantêm-se unidas pelo destino em comum. São preocupadas entre si, porque carregam uma igualdade de nascimento.
Existia uma humildade na educação que talvez estejamos perdendo. Ninguém se sentia melhor, mais mimado, mais idolatrado pelos pais. Não havia exclusividade de atenção. Não se brigava por privilégios.
Dividiam os presentes, os objetos, os livros, o banheiro. A mesma escova que uma usava a outra tinha que guardar. A responsabilidade acontecia desde o berço. Se uma saía, tinha que levar o time inteiro. Ou se davam bem, ou nenhuma passeava. Ou chegavam a um acordo, ou terminavam trancadas em casa.
Eram condicionadas a se entenderem, a olhar para os lados, a viver de acordo com um espírito de revezamento: repartir o pouco, agradecer o que se tem.
Lavavam vasilhas juntas, cozinhavam juntas, colocavam a mesa juntas, estendiam a roupa juntas, iam para a escola juntas, voltavam da aula juntas, realizavam os deveres juntas. Tudo se desdobrava pelo mutirão. Quando descansavam no sofá da sala, acontecia ao mesmo tempo: juntas.
Não havia essa história de ter um espaço individual, um armário próprio, um criado-mudo exclusivo. Cada uma ganhava algumas gavetas e deveria se virar dobrando as roupas. Herdava-se vestuário: os figurinos costumavam ser repassados de criança a criança, conforme cresciam. Ajeitavam-se as barras das calças, alongavam-se os vestidos, o tecido durava por várias gerações.
Encontrei as senhoras meninas no enterro do pai, em Rio Espera, no primeiro dia da primavera. As Marias se completavam na reza da Ave-Maria no cemitério: pássaros tocando as suas tristezas com as asas.
Depois de décadas, casamentos e netos, ainda se amam e se cuidam. Como se estivessem se olhando de cama a cama no quarto em comum.
Estavam de mãos dadas para se despedirem do patriarca Luiz Papa de São José, 93 anos. Eu sei que no sofrimento todo mundo se parece, mas elas se pareciam ainda mais. As lágrimas partiam também juntas no rosto coletivo da perda.
Quem tem nome composto em Minas será sempre um irmão devotado.