Mineiro, quando quer algo, não se faz de rogado. Encontra um jeito de conseguir. Se não é mansamente, discretamente, indiretamente, como ele gosta de agir, é pelo uso da opinião pública familiar.
Tudo o que já neguei para minha esposa virou comentário na frente dos parentes e amigos. É uma estratégia irresistível.
Diante dos outros, não há como segurar o constrangimento.
- Ele está me prometendo uma viagem há séculos.
- Aquele vestido lindo que vi na loja, estou esperando Fabrício me dar de presente de aniversário.
O estrago está feito. Todos, sem exceção, me elogiam dizendo que cumprirei as promessas que jamais realizei. É uma sinuca de bico.
Nunca demore em cumprir pendências amorosas, antes que elas venham à luz nas rodas de conversa do almoço e da janta com as visitas.
Mineiro recorre ao tribunal popular como última instância de seus desejos. Se não alcança os seus objetivos no tête-à-tête, acredita no método da indução. Ninguém vai se indispor ao julgamento coletivo, passando uma imagem de avarento ou egoísta.
Na semana passada, estava em Live com o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, autor de “Cartas de um Terapeuta para os seus momentos de crise”.
No meio de uma conversa pra lá de reflexiva, apareceu um comentário de seu filho:
- Posso comer o chocolate na despensa?
Curiosamente, o filho adolescente se encontrava na própria casa com o pai, poderia ter feito sinais ao lado do celular ou desenvolvido mímica de Imagem e Ação, ou ter escrito um bilhete, mas empregou a artimanha de invadir o território online e colocar os seguidores do pai contra o pai.
Logou-se no ambiente profissional paterno, para impor as suas vontades.
Depois que a sua pergunta ingênua e cotidiana subiu na transmissão, ninguém mais conseguia ecoar as nossas reflexões. Devaneios sobre saudade, amor-próprio e esperança não superavam o valor de uma barra de saborosas calorias. A inspiração morreu pela urgência de uma banalidade.
- Dá o chocolate para o filho.
- Ai que querido, merece o chocolate.
- Bonitinho demais.
- Não seja guloso, divida o chocolate.
Corações pipocavam na tela. Ele tornou-se a estrela da interação.
Não duvido que o pai não tenha se sentido um super herói por alguns minutos, pensando que até o filho foi assisti-lo, interessando-se por assuntos adultos da alma. O orgulho não durou muito.
Ocupado em agradar o seu público do Instagram, Alexandre não vislumbrou uma saída honrosa senão a de consentir na hora para seguir o papo. Não sei o que havia acontecido nos bastidores, se ele proibiu o doce até ele concluir o dever de casa, ou se só poderia comê-lo depois da janta.
A questão é que o filho, de modo astuto e inteligente, quebrou uma regra domiciliar. Não entraria na live se não existisse uma ordem contrária. Representou uma molecagem bem pensada. Empreendeu um protesto educado, uma passeata de seus dedos nas redes sociais, para garantir o prazer impossível pelas vias tradicionais do diálogo.
Mineiro, quando quer algo, devorará as resistências.
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