Uma das primeiras lições que o estudante de Belas Artes aprende é a proporção original do corpo humano. Guardadas diferenças sutis da constituição física do modelo vivo posando à sua frente, o estudante deve ter em mente aquilo que os mestres ensinam desde a Grécia antiga. É uma regrinha manjada: geralmente o ser humano adulto, homem ou mulher, tem a altura quase exata de 7 cabeças e meia. Ao reproduzir no papel, no mármore ou na argila uma figura humana adulta, o artista se atém a essa escala fundamental. Defina a cabeça primeiro; meça-a; multiplique-a por 7,5 – e temos um corpo humano na proporção das esculturas clássicas. Naturalmente, nas concepções abstratas o artista tem a liberdade de criar o que bem entender, como fizeram Brecheret, Ceschiatti ou Zamoyski. É outra coisa.
A fidelidade às formas humanas deixa todo mundo de queixo caído diante do que Lorenzo Bernini fez com o mármore no seu fantástico Rapto de Proserpina. É um cânone, um preceito que se afina com outros mistérios interessantes tais como a Proporção Áurea - encontrada nos ossos humanos, nas colmeias, nas folhas. Ou a sequência Fibonacci, utilizada também nas artes visuais, determinando relações entre elementos. Le Corbusier, apaixonado pela Fibonacci, usou-a na construção de um sistema de proporções baseadas no corpo humano e aplicadas a projetos de arquitetura. Enfim: o Belo tem um caso de amor com a Matemática, há séculos.
A imaginação dos cartunistas, ilustradores e cineastas criou seres verdes cabeçudos com massas cefálicas volumosas, capazes de controlar as mentes dos pobres terráqueos. Revendo as obras espalhadas nas praças e jardins de Belo Horizonte com olhar mais crítico, desconfio que a influência nefasta dos ETs alcançou também as mentes de certos artistas que se atreveram a entrar nessa seara. Esculturas recentes de escritores e outras celebridades na capital sofrem dos efeitos da desproporcionalidade. O que terá sido? O bronze andou escasso? Faltou verba ou faltou talento, mesmo? Em meio a tantas (repito: falo daquelas de estilo clássico que se propõem a reproduzir fielmente um corpo humano) fiz questão de eleger a suprema infelicidade estética erguida na praça Tiradentes – a efígie do pobre alferes mal-ajambrada, muito aquém de sua dignidade de mártir.
Datada de 1962, alçada ao pedestal sob os auspícios do então prefeito Amintas de Barros, a homenagem ao inconfidente logo virou chacota na boca do povo por conta de suas dimensões grotescas. Na época, chegaram a apelidar a escultura como fruto da funesta Talidomida, medicação que tantos males causou às gestantes no passado. A peça apresenta a absurda proporção de 4,5 cabeças para o resto do corpo, além de formas, expressões, posturas e detalhes de gosto duvidoso. Nosso herói mereceria, sem dúvida, coisa muito melhor.
Há algum tempo, um grupo de artistas e estudiosos preparou uma proposta para a reformulação radical do monumento: remova-se a antiga estátua e troquem-na por outra melhor. Na nova, Tiradentes não seria fundido com a corda no pescoço – abatido, derrotado, rumo ao cadafalso – mas sim, vitorioso e idealista, no seu belo uniforme da Colônia. A posição também seria invertida: seu olhar não se voltaria para a horrorosa praça da rodoviária e do crack, mas para as montanhas de Minas, paisagem inspiradora do inconfidente e seus companheiros. Infelizmente, como a maioria das iniciativas inteligentes desse país, não deu em nada.
Sabe-se pouco do autor do desastre. Antonius Josephus Maria van de Wiel nasceu em Breda, na Holanda, e radicou-se no Brasil, onde teve uma carreira inócua. Não fez muita coisa além da escultura medonha do Tiradentes de Belo Horizonte. Ainda bem.