Nesse mundo cada vez mais à mercê de bandidos, malucos e violentos, o papel da polícia também vai se complicando. Como a de Nova Iorque, algumas têm como inspiração a regra “servir e proteger”, mudando uma palavra ou outra, mas mantendo o nobre sentido.

Vamos a um caso prosaico, sucedido aqui. O cidadão, pagador de impostos e dos salários dos burocratas, morador de uma rua movimentada, dá-se ao sacrifício de acordar de madrugada para reservar, com dois cavaletes, uma vaga defronte à casa, aguardando a chegada de um caminhão com jardineiros e equipe de poda. Caso não o fizesse, como estacionar um veículo daquele tamanho em plena manhã de uma segunda-feira, numa via preferencial lotada?

Aguardando a chegada do caminhão, o pagador de impostos implacáveis ao município, ao estado e ao país, ouve ruídos na calçada. Corre lá fora e depara-se com dois policiais removendo bruscamente os cavaletes para que na vaga estacionasse... uma van da polícia. Esse ritual é frequente, uma vez que há um supermercado ao lado e os agentes da lei ali fazem lanches, creio.

“Um momento, cavalheiros” – diz o contribuinte. “Estou aguardando um caminhão imenso, difícil de estacionar!” Os dois policiais – armados, etc. – retrucam asperamente e submetem o contribuinte a uma série de inquisições similares àquelas dirigidas a um bandido numa delegacia: “Cadê os documentos? Tem licença para isso? Já pediu autorização ao BH Trans? Aqui não pode parar caminhão!” E a melhor: “mas, nós podemos parar a viatura em qualquer lugar!”.

Então, deveria o cidadão contribuinte, o pagador de impostos desumanos ao município, ao estado e ao país, ceder o mísero espaço momentaneamente reservado, para que servidores públicos tomassem seus cafezinhos mais comodamente, andando menos? E o óbvio se fez presente: por que não estacionam a viatura no imenso, sombreado e geralmente vazio estacionamento do tal supermercado?

Felizmente, um terceiro policial – um superior hierárquico, mais experiente, maduro – apareceu e conseguiu amainar os ânimos dos jovens guardiães um tanto exagerados nas suas retóricas e atitudes. E o cidadão envolvido na contenda, enfim, teve seus miseráveis direitos respeitados. Miseráveis, por vivermos sob um regime anacrônico, burro, desgovernado, corrupto, injusto, dominado pelo tráfico e amiguinho do que há de pior e mais atrasado no mundo. Resumo: o caminhão com trabalhadores pôde estacionar para assim ganharem a vida honestamente e os policiais - que devem estar atentos aos desocupados e criminosos, ao “servir e proteger” – foram tomar café.

Infelizmente, a ausência do estado em áreas fundamentais cresce dia a dia no Brasil. A bandidagem toma espaço e extorque o trabalhador por todos os meios possíveis; já domina amplos territórios urbanos e neles, como um vampiro, suga incessante e impunemente. Na minha rua não passa um dia sem que algum carro tenha seus vidros quebrados. Na esquina, apesar das súplicas de vizinhos, um esgoto nauseante vaza e borbulha há mais de um mês sem que a autoridade competente venha sentir pessoalmente o fedor e resolver a coisa. A quantidade de lixo sem coleta e de pinos de cocaína vazios nas calçadas bate recordes. Insegurança e o desleixo são as faces claras da incompetência do estado no seu dever constitucional de zelar, administrar com honestidade, organizar com eficiência e, como prioridade, atender às necessidades do cidadão que o sustenta.

Mas esse estado continua mestre em torrar dinheiro com tolices, vigiar o supérfluo, ater-se à minúcias inúteis, encher o nosso saco, censurar a liberdade de expressão, soltar condenados e, sobretudo – inventar novos impostos, taxas, multas, usando sua arrogância e grosseria para intimidar-nos. Já nos acostumamos: são coisas do Brasil.