FERNANDO FABBRINI

Autoridade: modo de usar

Carteiradas, dedos em riste e outras especialidades nacionais


Publicado em 30 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Tratar alguém pelo diminuitivo geralmente é sinal de intimidade, informalidade, carinho. A exceção fica por conta dos nossos jogadores de futebol – as centenas de “inhos” - motivos de piadas e gozações mundo afora. O tal desembargador que destratou o policial no episódio da máscara é conhecido pela alcunha de Silveirinha. Como vimos, em certos casos o diminuitivo é bem adequado à estatura do portador.

O perigo permanente que ronda a autoridade é a tentação de se sobrepor ao seu semelhante apenas em nome do próprio ego. Há variáveis de comportamento. Às vezes a autoridade é truculenta, fazendo-se valer das prerrogativas do cargo, do argumento das armas; da brutalidade pura e simples, da porrada. Em outros casos, o risco é ser cúmplice. Flagrado o fora-da-lei, a autoridade safada se esbalda; tenta tirar proveito da situação; compactua, negocia a impunidade em troca de vantagens. E ainda somos afrontados pela carteirada - instituição abominável que salta fora dos bolsos oficiais com odiosa frequência. Porém, há episódios curiosos envolvendo autoridades e seus modos de agir.

Lembrei-me de duas historinhas. Cenário: uma estrada deserta no norte dos Estados Unidos. O turista, num carro alugado, motor possante e toda a tecnologia de bordo, acelerou demais, ultrapassando a velocidade permitida no trecho. Não demorou muito e ouviu a sirene de um carro da polícia, faróis piscando atrás. Estacionou. O policial pediu documentos, verificou tudo.

- O senhor é turista, não?

- Sim...

- Bem, a velocidade aqui é de 65 milhas por hora. O senhor estava a quase 75. Está com pressa? Algum problema urgente, alguma emergência?

O motorista achou melhor contar a verdade:

- Não... Apenas me distraí, senhor guarda.

- Ok, não vou multá-lo. Porém, vou retê-lo durante uns 20 minutos para que o senhor se acalme um pouco, certo? Assim descontamos o seu excesso de velocidade. Depois, pode prosseguir viagem.

Também numa estrada, interior da Noruega. Um brasileiro, ao volante de um carro alugado. Estrada sensacional, começo da noite, inverno, gelo na pista. De repente, uma van da polícia se aproxima e pisca os faróis, sirene ligada. O brasileiro para no acostamento e a van faz o mesmo. Descem dois policiais, batem continência, perguntam – em inglês - se o brasileiro era turista.

- Sim, sou turista... O que houve?

- A luz de freio esquerda de seu carro está queimada.

O brasileiro tremeu. Esta agora! Imagine a ferrada, guiando num país nórdico organizadíssimo com uma luz de freio queimada! Uma multa daquelas! O policial pediu que ele aguardasse um pouco. Até sugeriu: se quisesse, poderia descer e esticar as pernas. Foi o que o brasileiro fez, curioso.

Os policiais abriram as portas traseiras da van. Lá dentro havia uma oficina, uma mini loja de autopeças: prateleiras com limpadores de para-brisas, correias dentadas diversas, fluidos e mangueiras para radiadores, cabos elétricos, baterias. E lâmpadas, de todo tipo, para todas as marcas de carro. Batendo papo lá entre eles, algum assunto banal, os guardas rodoviários fizeram o serviço em minutos. Tiraram a lâmpada queimada, puseram uma nova, pediram licença para testá-la, pisando no freio repetidas vezes.

- Ok, senhor, tudo certo. É perigoso andar com uma luz de freio queimada. Agora o senhor pode viajar com segurança. Obrigado!

E se foram - não sem antes oferecer ao brasileiro um copo de chocolate quente, ideal para uma noite fria daquelas, delícia proveniente de uma minúscula cozinha também instalada num canto da van. É ou não é de se tirar o boné para autoridades assim constituídas?

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