FERNANDO FABBRINI

Guerra no campo

Algo de novo no ar, além dos mísseis


Publicado em 03 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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No site de uma faculdade onde também escrevo, outro dia contei a história da “vassoura de bruxa”. Em 1986, meia dúzia de funcionários da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – todos militantes do PT e do PDT, insatisfeitos com os rumos da entidade - amarraram galhos infectados com o fungo Crinipellis perniciosa nas plantações da região de Ilhéus e Itabuna. A praga se espalhou rapidamente.

A produção de cacau brasileira, até então líder mundial, despencou perto de 80%, tornando-nos importadores do insumo e acarretando prejuízos incalculáveis. Identificados os autores, vieram processos que se perderam na lerdeza usual da justiça e o crime acabou arquivado. A sabotagem ocorreu durante o governo Lula e a impunidade dos referidos companheiros é comentada até hoje. Com muita tecnologia e recursos, o cacau baiano está voltando lentamente aos patamares de outrora.

Tempos atrás, na equipe de produção de um documentário, percorri uma série de projetos agropecuários do centro-oeste. Um deles chamou-me especialmente a atenção: a extensa área de seringais no município de Itiquira, Mato Grosso, propriedade de uma das mais conhecidas marcas de pneus do mundo. Dali saem toneladas da matéria-prima insubstituível da borracha – o látex vegetal.

Esquisito foi o ritual que antecedeu nossa visita. Um mês antes, a direção da empresa exigiu xerox de documentos e atestados de bons antecedentes (!!) de toda a equipe de filmagem. Como éramos gente boa e profissionais de reputação ilibada, não tivemos problemas. Na entrada da plantação passamos por revista similar à dos aeroportos. No campo, os takes foram restritos a pontos pré-determinados e depois revisados: isto pode, isto não pode, apague esta cena, etc. Vivemos dias tensos, cercados de seguranças mal-encarados, armados e de olho em tudo.  

Na saída, o gerente de comunicação da empresa pediu desculpas e explicou-me a necessidade do aparato: a atividade seringueira é alvo constante de sabotagens. Existe um tipo de lagarta que adora mastigar as folhas das árvores e acabar com tudo em semanas.

Portanto, se você pretende detonar seu concorrente na produção de borracha, espalhe o bicho na plantação dele e a natureza se encarrega do resto. Ontem conversei novamente com o pessoal de lá. A vigilância agora inclui até o controle contra possíveis drones inimigos aspergindo ovos de uma mariposa perniciosa, como já aconteceu na Indonésia. É uma guerra com bombas biológicas.

Há cerca de dois meses sementes misteriosas desembarcaram no Brasil junto com inocentes encomendas provenientes da China. Pacotinhos similares chegaram por correio às casas de consumidores de vários estados brasileiros, sem que ninguém os pedisse. São espécies exóticas; quase a metade das amostras analisadas trazem risco fitossanitário à nossa agricultura. A Myosoton aquaticum afeta campos de trigo na China. A Descurainia sophia é outra planta daninha encontrada nos EUA, México, Chile, Portugal, Canadá, Coréia, Japão e Austrália.

O Ministério da Agricultura orienta que os brasileiros não abram as embalagens e que entreguem o material nas unidades estaduais do órgão. E mais: as sementes não devem ser jogadas no lixo; podem brotar por aí.

Responsável por 21% do PIB e por 20% dos empregos do país, o agronegócio brasileiro dá shows a cada safra e incomoda produtores do resto do mundo. Previsões apontam que nos próximos 10 anos a produção de grãos deverá crescer 27%, passando das atuais 250,9 milhões para de 318,3 milhões de toneladas na safra 2029/2030 - um crescimento de 2,4% ao ano.

Deve ter muita inveja, muito olho-gordo e muito sabotador faminto querendo estragar nossa festa. Ou vocês acham que isso só acontece no cinema?

 

                                                         

       

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