Nana é o apelido da Mariana, dado pela irmã mais velha. A família é bem modesta. O pai, seu Pereira, é porteiro, quase aposentado. A mãe, dona Bela, faz consertos em roupas – ajustes, bainhas, essas coisas.

Nana tem 17 anos, vai se preparando para o vestibular. Muito estudiosa desde pequena, está segura de sua vocação – quer ser astrônoma, vejam só. Dona Bela, orgulhosa, ri das ideias da filha caçula. E lembra que Nana, criancinha, adorava deitar no seu colo num banco duro do beco onde moravam. Olhando o infinito, bocejava e perguntava à mãe:

– Por que umas estrelas brilham mais do que as outras? –

Dona Bela inventava uma resposta qualquer, já que os mistérios cósmicos não faziam parte de sua expertise.

A luta do casal para criar Nana e os dois mais velhos não foi brincadeira. Seu Pereira reforçava o orçamento fazendo serviços de eletricista e bombeiro, conhece bem. Dona Bela passava o sábado e o domingo na máquina de costura. Deu resultado: os dois maiores já são formados, trabalhando; e a menina tira notas excelentes no colégio.

Nana tem fama de nerd. Às vezes, seguindo o exemplo da mãe, ela passa os fins de semana enfiada nos livros. Naquela casa todo mundo colabora na limpeza, nas compras, na cozinha.

Quando apertam as costuras, Nana até ajuda, pregando botões com arte. E mais: a danada faz um estrogonofe que é um sucesso aos domingos.

Para chegar ao colégio desde a periferia, Nana pega duas conduções – ônibus e metrô. Então, precisa acordar às 5h. Quando sai, costuma cruzar com o pai voltando do plantão da madrugada, sonolento. Trocam beijos, e seu Pereira diz: “Vai com Deus, filha”.

Nana e sua turma do colégio carecem mesmo de proteção e ajuda divina. Há os manos legais, mas também aqueles esquisitos do bar, mexendo com as minas. Um deles chegou a passar a mão na Nana, certo dia. Ela empurrou o sujeito com a mochila, segurou o choro, a raiva. No mês passado teve pauleira braba: um aluno ficou doidão de fumo e entrou na sala de aula segurando um cano de ferro; deu porrada na mesa da professora e botou o pinto pra fora da calça. Interromperam as aulas, chamaram a polícia, não adiantou nada. Dona Bela soube da confusão e só disse: “Rezo todo dia”.

Nana passou a usar óculos. Agora, ficou ainda mais com jeito de nerd; as amigas zoaram. Ela limpa os óculos com carinho, custaram caro; dona Bela está pagando em seis vezes no cartão. E ficou bonita: o Bê até mandou uma chuva de corações quando ela postou a foto nova no Insta.

Bernardo também usa óculos, e os dois trocam olhares, sorrisos e chicletes no recreio.

Nana sabe dizer “com licença”, “bom dia”, “obrigada”. No bairro, na escola, no metrô, trata todo mundo bem, aprendeu cedo que a vida tem vários “nãos”, muitos “talvezes” e alguns “sins”.

Sabe também o valor de um almoço diário, de uma cama limpa, da roupa passada com carinho. Além da astronomia, tem outros sonhos de garota de sua idade (a selfie com aquele cantor que adora).

Já vou terminando a história da Nana. Vocês esperavam alguma coisa diferente, extraordinária, fantástica? Sei que hoje as pessoas preferem assuntos mirabolantes, ostentações, exageros, pirotecnias no Facebook.

Caso sim, desculpem. Nana é apenas um exemplo da beleza do comum, da graça da simplicidade, nossas melhores esperanças. Talvez seja uma estrela que brilhará daqui a pouco, com luz própria. Gente assim é que muda o mundo. Com esforço e paciência, bem devagarinho.