Nós temos uma tendência à autoidealização. Não porque somos mal-intencionados, mas porque morremos de medo de que, ao assumir nossas partes menos bonitas, sejamos rotulados por elas.
Já percebeu como, na tentativa de disfarçar nossa parte sombria, encontramos nomes mais bonitos para as nossas emoções feias? Temos dificuldade de reconhecer que vez ou outra sentimos inveja, que vez ou outra somos agressivos, egoístas, mimados, prepotentes ou mesmo vitimizados. Isso porque nossa mente ainda insiste em rotular de forma dual. Se sinto inveja, sou invejoso. Se tenho uma reação explosiva, sou agressivo. Se meu ego me trai, sou egoísta.
Ainda que a expressão das nossas distorções seja mínima ante as nossas atuações equilibradas, temos medo de que elas passem a definir nossa personalidade e, por isso, nomeamos nossos monstros de forma que pareçam menos assustadores.
Um erro. Porque a inveja continua sendo inveja. Se você deu a ela outra cor para que pareça inofensiva, tanto faz. Dentro de você, a emoção não muda porque ganhou sobrenome socialmente aceitável. E o problema é que, todas as vezes que você faz a inveja parecer positiva, perde a oportunidade de investigar qual pensamento está patrocinando essa emoção desconfortável. E, sem desconstruir o pensamento, as interpretações que você faz continuarão gerando o dessabor invejoso. Você continua sentindo inveja, e suas reações continuarão sendo impulsionadas por ela, mesmo que seu discurso absolva a nocividade do que você sente.
Não é porque você descoloriu a emoção que ela se modificou. E, se ela não se modifica, continua te roubando a paz. Ou seja: no fim do dia, ao tentar maquiar suas sombras, você se mantém prisioneiro delas. Você se convence de que os monstros são fadas e, por isso, não se ocupa de expulsá-los. E, assim, sua tentativa de parecer mais nobre sabota qualquer possibilidade de dissolver seus verdadeiros nós.
Para termos coragem de nomear nossas emoções de forma realista é preciso ganhar consciência de que esse exercício não nos aprisiona num rótulo. Pelo contrário. É um treino que liberta. Esconder ou maquiar nossas emoções distorcidas é trabalhoso. Reconhecê-las pode parecer difícil, mas, passada a fronteira da vulnerabilidade, o que se experimenta é o alívio de poder se assumir humano – e, portanto, falho.
Toda prepotência se dissolve quando aposentamos nossa expectativa de sermos sempre luminosos. E, curiosamente, nos apropriamos cada vez mais da nossa luz quando trazemos para a consciência a verdade sobre nós – com tudo de belo e assustador que ela inclui.
Ninguém se torna mais sábio por profetizar palavras de luz, mas sim por dissolver as próprias sombras. E isso só é possível quando desistimos de dar apelidos carinhosos aos nossos monstros e começamos a chamá-los pelo nome.