Confesso que tenho pouco interesse por análises eleitorais: quem subiu quem desceu, tendências para as próximas eleições presidenciais, gênero e etnia dos eleitos num país com tantos partidos fisiológicos e de aluguel. Ao que parece, em 2020 o eleitor optou pela segurança, rejeitando os extremos ideológicos que prevaleceram nas eleições de 2018.
Como era de se esperar, o Partido dos Trabalhadores minguou, cedendo algum espaço a partidos mais à esquerda. As novas agremiações, como o PSL, tiveram desempenho pífio ou simplesmente desapareceram do mapa eleitoral. Prevaleceram os partidos da direita tradicional e os do chamado “centrão”. O centro civilizado e confiável ainda não se consolidou enquanto força capaz de vencer as próximas eleições presidenciais, e as costuras neste sentido se afiguram como tarefa árdua.
Apesar da generalizada opção pela exclusão dos extremos ideológicos, o fato surpreendente foi a chegada de Guilherme Boulos ao segundo turno na maior cidade do país. Assisti, por acaso, ao debate entre ele e Bruno Covas na CNN. Nenhuma surpresa, apenas o reforço de minhas suspeitas em relação ao primeiro. Ele é o clone de Luiz Inácio, tanto na aparência física como nos rasgos populistas. Não se enganem. Aquela indefectível barba esquerdista, o dom da palavra, o olhar indecifrável, a pauta de prioridades e a ironia parecem vir da São Bernardo do Campo dos anos 80, com a ambição de chegar ao Planalto.
Bruno Covas, ao contrário, não gesticulava, não fazia caras e bocas limitando-se a afirmar que o que conta na administração de uma cidade como São Paulo é a experiência. Nisso era rebatido por Boulos que insistia em sua experiência de 20 anos de convivência, olho no olho, com os descamisados.
Sempre ladeado por jovens militantes, Boulos diz apostar no sonho. Ora, adolescentes são sonhadores por excelência. Todo mundo já foi jovem, já sonhou, muitos foram de esquerda e se revelaram grandes trapalhões, para não dizer trapaceiros. Caráter não tem idade.
Ao ser criticado pelas ações da atual administração na chamada “Cracolândia”, Covas reconheceu as enormes dificuldades na solução do problema afirmando que nem a polícia conseguia penetrar na região para reprimir o tráfico de drogas. Elencou medidas de amparo àquela comunidade e afirmou que a região está sendo reconquistada pelo poder público com o intuito de revalorizar a área central na cidade. Boulos retrucou que aquela população necessita de aconchego e cuidados por parte de psicólogos e assistentes sociais e que o ideal seria criar espaços acolhedores desta população, a exemplo do que ocorre em Amsterdã ou Barcelona.
Nada contra tais propostas, embora não se possa desconhecer que elas buscam mimetizar, em contexto social adverso, modelos bem ao gosto de uma geração de jovens e urbanistas, ditos, “descolados”.