Já ouvi muita gente dizer que “Curitiba deu certo”. Ela não apenas deu certo, como segue dando. Enquanto isso, Belo Horizonte vai tentando. Com alguma dose de empenho, todavia ainda tentando. Digo isso com profundo amor pela cidade onde nasci e com a franqueza de quem já esteve dentro da máquina pública: querer não é poder, e planejar é bem diferente de realizar.

Curitiba começou a construir sua reputação urbana nos anos 1960, ao criar algo inédito no Brasil: um órgão técnico e permanente de planejamento urbano. O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), fundado em 1965, tornou-se o cérebro racional da cidade. Desde então, implantou mais de mil projetos. Idealizou o primeiro BRT do mundo, em 1974, com corredores que não eram apenas transporte, mas também vetores de crescimento ordenado. A cidade cresceu junto das suas linhas expressas e cresceu com inteligência.

O que Curitiba tem e nós não é memória institucional, projeto técnico e visão de longo prazo. Não se trata de sorte, e sim de escolha. De prioridade administrativa. De coragem para sustentar planos além dos ciclos eleitorais.

É o mesmo caminho trilhado por cidades que lideram o pensamento urbano no planeta. Paris criou o Atelier Parisien d’Urbanisme (Apur) em 1967, com 70 especialistas e 29 órgãos parceiros. Foi peça-chave no Grand Paris Express e na renovação das margens do rio Sena. Londres fundou o Centre for London em 2011, com mais de 120 estudos publicados e impacto real em moradia e mobilidade. Nova York tem, desde 1922, a Regional Plan Association (RPA), que já elaborou quatro planos regionais, cobrindo 23 milhões de habitantes e prevendo US$ 50 bilhões em investimentos.

Na Ásia, o rigor impressiona. Singapura criou a URA em 1974, responsável por mais de 30 novas localidades e moradia pública para 80% da população. Seul abriga o The Seoul Institute, de 1992, com 240 técnicos e mais de 200 estudos por ano, incluindo a restauração do rio Cheonggyecheon, que reduziu em 3,6°C a temperatura do centro. Já a Spur, de São Francisco, existe desde 1910 e liderou a transformação da orla portuária após o terremoto de 1989.

Todas essas cidades têm em comum algo que Curitiba construiu e Belo Horizonte ainda não: um ambiente institucional de pensamento urbano contínuo, interdisciplinar, produtivo e público. 

Contudo, há outro ingrediente decisivo. Nenhuma dessas instituições se sustenta sozinha. Sempre houve gente por trás. Técnicos, professores, ativistas, gestores e, sobretudo, líderes visionários. Em Curitiba, esse papel coube a Jaime Lerner: arquiteto, urbanista, prefeito por três mandatos. Foi ele quem transformou ideias em política pública, técnicos em aliados e projetos em realidade. O Ippuc foi importante. Lerner, indispensável. 

O mundo também tem seus nomes. Janette Sadik-Khan em Nova York, Sylvain Petitet em Paris, Liu Thai Ker em Singapura, Pedro Ortiz em Madri. Planejar exige estrutura, sim, embora também exija vontade política, narrativa pública e coragem de agir. </CW>
Belo Horizonte já teve boas ideias. Faltou tirar do papel. Faltou continuidade. Faltou confiança na inteligência urbana em vez do improviso político. Até hoje, a cidade não conta com um instituto permanente de pensamento urbano. Cada novo governo começa quase do zero ou se guia por planilhas dispersas, sem memória técnica consolidada.

Belo Horizonte conta com referências. O núcleo local do Observatório das Metrópoles está ativo desde 1998. Há também o Grupo Praxis e o LabUrb, da Escola de Arquitetura da UFMG. Conheço o Movimento Nossa BH, que atua com a sociedade civil.

Pois bem, reunimos coragem. Criamos o Instituto Cidade e Sustentabilidade (ICS), ancorado no Centro Universitário Dom Helder Câmara, com o propósito de reunir técnicos, acadêmicos e gestores para pensar nossas cidades de forma sistemática, transversal e orientada por evidências. Já iniciamos com um minicurso sobre problemas e soluções urbanas, a organização de um evento sobre regiões metropolitanas em parceria com a Granbel e uma colaboração com entidades da capital para revisar a legislação urbanística municipal e fomentar a habitação. 
Belo Horizonte não precisa imitar Curitiba. Precisa acreditar em si. Tem universidades, urbanistas, centros de pesquisa, vocação.

Criar um ambiente técnico de planejamento é mais do que necessário. É urgente. Trata-se de plantar a árvore do nosso próprio futuro. 

E, quando o futuro chegar, como sempre chega, será ele que agradecerá.