No dia 10 de março de 2023, publiquei neste jornal o artigo “Em defesa do Sistema Único de Mobilidade”. Apontava uma necessidade inegável: o Brasil precisa de um sistema público nacional que financie, integre e organize o transporte coletivo com escala, justiça e planejamento. Poucas semanas depois, a deputada Luiza Erundina protocolou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25, de 2023, propondo formalmente o Sistema Único de Mobilidade, o SUM. O texto conta com 171 assinaturas, teve parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e aguarda, até hoje, ser pautado para votação. É urgente. Só falta Brasília fazer sua parte.
A proposta da PEC é direta e poderosa. Ela estabelece que “o transporte é direito de todos e dever do Estado, organizado, nos termos da lei, em um sistema único de mobilidade”. Define princípios claros: descentralização com cooperação federativa e planejamento em rede integrada. A justificativa é contundente: “A mobilidade se mostra essencial por se tratar de direito habilitador dos demais direitos do cidadão”.
Não se trata apenas de tarifa zero, embora ela seja um componente válido da proposta, a depender da execução. E aqui faço questão de lembrar que, graças à atuação que coordenei como vereador em Belo Horizonte, a capital mineira hoje oferece cinco modalidades de gratuidade: para estudantes, moradores de vilas e favelas, mulheres vítimas de violência, pessoas em busca de emprego e pacientes em tratamento de saúde. São medidas locais que demonstram que é possível caminhar para uma política de mobilidade mais humana e justa. Essas modalidades custam cerca de R$ 7 milhões aos cofres da nossa cidade por ano.
O SUM, no entanto, propõe uma reorganização nacional. Prevê um fundo de financiamento abastecido por recursos da União, das unidades federativas e dos municípios, com fontes extratarifárias, como Cide-Combustíveis, IPTU progressivo e o redirecionamento do vale-transporte. Em vez de depender apenas do bolso do passageiro, o sistema passa a ser financiado por toda a sociedade, como acontece com o SUS e a educação pública.
Não concordo com a proposta em sua integralidade. Contudo, é justamente para isso que existe o processo legislativo. A PEC precisa avançar, ser discutida, melhorada e votada. O que não se pode aceitar é a estagnação pura e simples, motivada por conveniência política ou inércia institucional. Há lobby de alguém para travar essa pauta?
O próximo passo da PEC é ser votada na CCJ da Câmara dos Deputados, onde já há parecer favorável. Aprovada, seguirá para uma Comissão Especial, na qual se discute o mérito, podem ser feitas emendas, e ouvidas entidades, técnicos e gestores. Depois, vai a dois turnos no plenário, onde precisará de 308 votos. Se aprovada, segue para o Senado Federal. Aprovada, tudo pronto. Modificada, volta para a Câmara dos Deputados. E, depois, Senado Federal novamente. Só então poderá ser promulgada e assim implementada como parte do ordenamento constitucional brasileiro.
Enquanto isso, seguimos com um sistema em colapso: perda de passageiros e qualidade em queda. E cidades tentando resolver sozinhas problemas que são nacionais. E o Congresso Nacional parado, assistindo. Eles não usam ônibus, certamente.
O Sistema Único de Mobilidade é a proposta mais estruturada que já tivemos para transformar o transporte público brasileiro em política de Estado. Está madura, tecnicamente fundamentada, socialmente legitimada. O povo precisa dela. E os representantes do povo? Brasília precisa se mover.
O texto está pronto. O Brasil também. A urgência está nas ruas. Só falta o Congresso Nacional sair do lugar.