De 2017 a 2024, fui vereador e aprendi que o Regimento Interno é um tabuleiro de xadrez. Quem não conhece suas casas vira peão da maioria. Com obstrução técnica, atrasei votações e criei vitórias improváveis. Uma delas: acabar com a isenção de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) aos empresários de ônibus em Belo Horizonte. Sem grito. Sem tumulto. Só cálculo, regra e silêncio.
Nos últimos dias, no Congresso Nacional, chamaram de obstrução algo que não chegou perto disso. Edgar de Godoi da Mata-Machado, jurista mineiro que em 1954 publicou “O Direito de Obstrução”, teria dito: “Aquilo não foi obstrução. Foi bagunça…” e afastou a pauta que se pretendia aprovar.
Mata-Machado mostrou que obstruir é direito das minorias e tem regras. É técnica, não violência. A história confirma.
Londres, 1881: 24 irlandeses, liderados por Charles Parnell, falaram por 41 horas, 14.836 discursos e 200 questões de ordem contra o “Irish Church Bill”. O speaker Brand, com aval de Gladstone, criou a “closure rule”, a “guilhotina” e o “canguru” para encerrar debates e filtrar emendas.
Washington, 1917: no Senado, o “filibuster”, uma espécie de falatório sem fim, resistia até criarem a “cloture”, encerramento com dois terços dos votos. Usaram uma vez, no Tratado de Versalhes.
Washington, 1890: o speaker Thomas Reed mudou a contagem de quórum para derrotar democratas que esvaziavam o plenário. Passou a considerar presentes aqueles dentro do edifício como um todo, e não apenas os que estavam dentro do plenário. Foi chamado de “czar” e perdeu popularidade, mas venceu no jogo.
Roma, 1899: a minoria apresentou 251 contraprojetos e dezenas de questões de ordem contra lei de segurança pública; em 1949, contra o Pacto do Atlântico, repetiu a maratona.
Hans Kelsen chama isso de “obstrução técnica”: uso formal e legítimo de mecanismos regimentais para obrigar a maioria a negociar. Já o “obstrucionismo físico” é ação fora das normas, que paralisa pela força: incompatível com a democracia representativa.
O que houve agora no Congresso é evidente: ausência total de estratégia regimental, interrupção física, ocupação de espaços. Quem entende do jogo sabe: a pauta deles foi empurrada para mais longe.
Mata-Machado cita Rui Barbosa: “Em todos os Parlamentos livres, a minoria é auxiliar necessária da maioria”. No Brasil, diz ele, a minoria virou “crime”, e a oposição, “importuna”. Nesse caso, os baderneiros apenas agiram encenando para sua bolha.
Chamar “tumulto” de “obstrução” é como confundir vandalismo com tabuleiro. Quem não domina o regimento não obstrui. Só atrapalha e perde.
Obstrução é método, não bagunça. É cálculo, não improviso. É regra, não empurra-empurra. Sem precisão, o Parlamento deixa de ser Casa de Leis e vira palco de guerra bruta. E guerra bruta não é política. É derrota.
Se não sabe obstruir, não desce pro play.