* Em coautoria com Paulo Tadeu Righetti Barcelos, vice-Diretor da Faculdade Milton Campos, advogado e professor de Direito da Criança e do Adolescente

Nos últimos dias, a polêmica da “adultização” de crianças e adolescentes ganhou destaque na mídia e nas redes sociais. O assunto ganhou visibilidade após o influenciador Felca expor vídeos em que Hytalo Santos promovia vídeos de menores de idade de forma deliberada, sem qualquer controle. As cenas, além de chocantes, escancaram um problema que não é novo, mas que se intensifica com a lógica da hiperexposição.

Mas afinal, o que significa adultização? O termo se refere às situações em que crianças e adolescentes reproduzem ações, estéticas e linguagens próprias do mundo adulto, como a erotização precoce, o uso de roupas inapropriadas para a idade e o consumo de substâncias proibidas. Trata-se de um fenômeno que acelera artificialmente etapas do desenvolvimento e coloca em risco a saúde física, emocional e social dos envolvidos.

Proteção à criança é obrigação

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal preveem que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito. Isso significa que a proteção não é uma faculdade: é uma obrigação compartilhada. Quando pais ou responsáveis expõem seus filhos a situações de risco, sendo capazes de responder civil, administrativa e até criminalmente, podendo sofrer aplicação de multas, suspensão ou até mesmo perda do poder familiar.

Recentemente, muito se falou da jovem Kamylinha, cuja emancipação foi apresentada como razão para a participação em locais e conteúdos inapropriados a menores de 18 anos. Contudo, essa interpretação é equivocada. A emancipação, concede ao adolescente capacidade civil para certos atos da vida civil, como gerir bens ou firmar contratos. Mas isso não elimina a proteção integral garantida pelo ECA até os 18 anos de idade. Em outras palavras, emancipação não é salvo-conduto para a violação de direitos fundamentais.

Superexposição nas redes

Outro ponto crucial é a superexposição digital. Muitos conteúdos que circulam em plataformas são produzidos com a conivência — ou até incentivo — dos próprios responsáveis, que enxergam na visibilidade uma forma de ganhar dinheiro. O que deveria ser apenas uma janela de socialização se transforma em um palco de exploração, banalizando a infância e normalizando práticas nocivas.

O debate sobre adultização não pode ser reduzido a moralismos ou polêmicas momentâneas. Ele exige reflexão sobre como a sociedade, a família e o Poder Público têm falhado em proteger os jovens e sendo importante ter políticas públicas que coíbam abusos. Também é preciso fortalecer a atuação dos Conselhos Tutelares, Ministério Público e órgãos de fiscalização, que devem agir não só de forma repressiva, mas preventiva.

Responsabilidade coletiva

A infância é uma etapa insubstituível. Antecipá-la, ou modificá-la é negar a crianças e adolescentes o direito de viver plenamente sua condição peculiar de desenvolvimento. A responsabilidade é coletiva: da família, que deve estabelecer limites; da sociedade, que não deve consumir nem incentivar esse tipo de conteúdo; e do Estado, que precisa agir de forma firme e efetiva. Afinal, como preceitua o próprio ECA, a proteção da infância é prioridade absoluta — não um detalhe a ser relativizado diante da busca por audiência.