Laura Medioli

Laura Medioli

Laura Medioli é escritora e presidente da Sempre Editora, responsável pela publicação dos jornais Super, O TEMPO e O Tempo Betim, além da rádio FM O TEMPO e do portal O TEMPO. Formada em estudos sociais, Laura já atuou como professora e se dedica de forma intensa hoje à causa da proteção animal.

LAURA MEDIOLI

Couves, mangas, flores e... deixa pra lá!

Bonitinha, engraçadinha, pequenininha, meiguinha... Com 15 anos, eu queria mais era ser bonitona, altona, sexy e por aí vai

Por Laura Medioli
Publicado em 07 de julho de 2019 | 04:00
 
 
 
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Se fosse para eu viver de vendas, estaria lascada. Definitivamente, essa não é minha área. Não por falta de experiência, afinal, desde menina, procurei vender meu peixe, minhas couves, minhas mangas... Explico: tínhamos em nossa horta uma plantação grande de couves e alfaces. E eu, com meus 9, 10 anos, resolvi me encarregar das couves, regando-as, desgrudando ovinhos de borboletas (umas coisinhas minúsculas de cor amarela), tirando larvas, jogando esterco. Diariamente ia conferir minha plantação. Quando o canteiro ficou repleto, resolvi vender o excedente para uma mercearia, cujo dono era amigo de minha mãe. O problema é que eu morava na Pampulha, e a mercearia ficava no bairro Lourdes. Amarrava alguns molhos escolhidos a dedo e ia, com o sr. Artur, antigo motorista da casa, levar as couves. Voltava cheia de moedas, guardadas em um porco de cerâmica ou gastas no primeiro baleiro que encontrasse no caminho. Mal sabia que a gasolina consumida para chegar ao local valia bem mais que o dinheiro recebido.

Na mesma época, eu e meu primo montamos uma barraquinha de frutas caseiras no ponto de ônibus em frente a nossa casa, na Catalão – avenida então recém-construída e bastante empoeirada. A universidade estava em obras, e a “freguesia” era enorme. Tinha dia que nosso estoque de mangas, goiabas e jacas ia todo embora. E foi por causa de uma jaca que eu e meu primo nos desentendemos. Fechamos a barraca e nunca mais vendemos frutas.

Mais velha um pouco, fui vender flores e plantas na flora de meu irmão. Como não entendia nada sobre elas e só podia ficar meio horário, acabei virando uma espécie de “office-girl”. Fila de banco era comigo mesma. Com 15 anos e cara de 10, fazia sucesso entre as bancárias. Achavam lindo ver aquela pirralha cheia de documentos e cheques na mão explicando o que queria. Lembro que uma sempre chamava a outra para ver: “Olha só que bonitinha! Desse tamanhinho e já trabalhando”. Só faltava passarem a mão na minha cabeça e me oferecerem pirulitos. Falavam isso achando que me agradavam, e era justamente o contrário. Odiava ouvir esses comentários, essa série de “inhas” com que normalmente referiam-se a mim. Bonitinha, engraçadinha, pequenininha, meiguinha... Com 15 anos, eu queria mais era ser bonitona, altona, sexy e por aí vai. Acabei me acostumando com os “inhas” e hoje, para ser sincera, dou graças a Deus. Tanto que, antes que minhas filhas, cada uma mais “inha” que a outra, comecem a reclamar, já vou logo dizendo: meninas, agradeçam a Deus, desse jeito vocês vão custar a envelhecer!

A flora foi vendida, e eu, para ocupar meu tempo, entrei como voluntária numa creche mantida pela paróquia do bairro. Passava a tarde rodeada por crianças berrando e sujando as fraldas. Minha missão era distraí-las e não deixar que elas saíssem do espaço determinado pelas coordenadoras. Apesar do tamanho, eram espertíssimas. Lembro-me de ficar exausta de tanto correr atrás delas. Era menino pendurado na cerca, comendo terra dos vasos, se engalfinhando com outros, e eu lá, uma quase menina cuidando de outras crianças. Eles me adoravam, e era recíproco. Fiquei ali por alguns meses e, como na escola as coisas estavam se complicando nas matemáticas da vida, saí.

Depois, fui trabalhar com outro irmão e seu sócio numa firma de casas pré-fabricadas. Não como vendedora, mas como arquivista e, claro, “office-girl”. Pelo jeito, o meu destino eram as filas quilométricas dos bancos. Vivia no ônibus indo de um banco ao outro com a melhor cara do mundo. Trabalhava meio expediente e achava ótimo. Acabei virando secretária, responsável pelas correspondências datilografadas, por envio de telex, arquivo etc. Veio a crise, e a empresa fechou as portas. Dediquei-me mais aos estudos, a estágios, aulas de inglês, italiano e, posteriormente, às faculdades (fazia duas ao mesmo tempo).

Não lembro bem em que época, mas, incentivada por uma amiga, ainda menina, encontrei-me de novo às voltas com as vendas. Foi numa página dos “Pequenos Anúncios” que li: “Produto de alta aceitação no mercado precisa de vendedoras – não é necessário experiência”. Uau! Isso foi feito para mim. Arrumei-me toda, salto alto, batom vermelho para aparentar mais idade, e fui atrás do tal produto. Meio decepcionada, saí com uma sacola na mão carregando a coisa mais boba e inútil do mundo: medidores de gás – umas geringonças desmontáveis que, acopladas ao botijão de gás de cozinha, apontavam quando este estivesse acabando. E eu, mais boba ainda, saí na rua com aquilo, oferecendo a quem encontrasse pelo caminho. Lembro que entrei num apartamento na Savassi e toquei a campainha quando um garoto interessantíssimo e com cara de sono atendeu. Sem graça por tê-lo acordado no meio da tarde, ainda mais para vender medidor de gás, me saí com esta: “Oi! Esta é a casa da Ana?”. Naturalmente, rezando para que não houvesse nenhuma Ana. Felizmente, não havia. Peguei minha sacola e, com os pés doendo de tanto andar, voltei pra casa. Entendi que não servia para vendedora, nem de medidor, nem de gás, nem de coisíssima nenhuma. Três dias depois, devolvi os produtos. Ah! Esqueci de dizer: vendi um. Para minha mãe.

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