Alguns dias atrás eu fui assistir ao filme “O Sal da Terra”, o documentário feito pelo grande diretor alemão Wim Wenders sobre um dos artistas brasileiros mais conhecidos mundialmente, o fotógrafo Sebastião Salgado. Assim como o documentário que o diretor fez sobre a coreógrafa Pina Bausch, Wenders compôs um retrato que vai apresentando aos poucos o sujeito, que é revelado com um cadência suave e uma certa liberdade cronológica que, no entanto nunca deixa o material confuso, pelo contrário, apenas o ilumina ainda mais. O retrato que surge é nítido.
Salgado ficou famoso por seus registros iconográficos sociais que mostram ao mundo momentos dramáticos da humanidade. Suas fotos dos trabalhadores em Serra Pelada parecem imagens bíblicas, e seu registro da fome na Etiópia atraiu atenção global aos problemas da região. Ao longo de décadas, ele produziu séries de trabalhos com nomes épicos que o levavam para a estrada durante anos, sempre resultando em um livro, exposições mundo afora, aclamação e também crítica daqueles que consideram seu trabalho uma estetização da miséria alheia.
Salgado nasceu na pequena cidade de Aimorés, na divisa entre Minas e Espírito Santo, onde seu pai era fazendeiro. O filme inclui imagens de arquivo do pai de Salgado, já falecido, e mostra como a fazenda foi ficando cada vez mais devastada pelo desflorestamento e a pecuária. Durante a década de 70, Salgado veio pouco ao Brasil, mas com o passar dos anos seu contato ficaria mais regular, embora ele seja um nômade por natureza, o que não surpreende, devido à natureza do seu trabalho.
Em algum momento da década de 90, Salgado, depois de testemunhar atrocidades na África, como o massacre de Ruanda, teve uma desilusão muito forte com a humanidade. Ele voltou para a Europa com o espírito abatido. E esse dado, compartilhado pelo próprio, que aparece ao longo do filme em close-up sobreposto a suas fotos, inicia o longo epílogo do filme que mostra como Salgado encontrou na natureza uma forma de redenção.
Quando seu pai morreu, a esposa, Lélia, teve a ideia de reflorestar a propriedade da família Salgado, que havia se tornado um deserto, como já está bastante claro nesse momento do filme. O que pareceu um projeto quixotesco de início tornou-se uma espécie de renascimento para Salgado e sua família, inaugurando uma nova fase em sua vida pessoal e profissional. Com essa ideia mirabolante na cabeça, captaram recursos e fundaram em abril de 1998 o Instituto Terra (institutoterra.org), que se dedica ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Doce, onde Aimorés se encontra.
Desde então a fazenda se tornou um oásis com mais de 7.000 hectares de áreas degradadas em processo de recuperação, além de mais de 4 milhões de mudas de espécies de Mata Atlântica produzidas no viveiro para abastecer os plantios da Reserva Fazenda Bulcão e outros projetos de restauração que desenvolvem na região. A fazenda é aberta a visitação como parte de sua missão educativa.
A transformação é um verdadeiro ecomilagre, uma área com o solo antes compactado pelas pisadas pesadas de bovinos agora abriga uma floresta que atraiu de volta elementos da fauna silvestre e fizeram as nascentes jorrarem novamente. Com a seca que ameaça o futuro e a necessidade de se reflorestar as regiões das nascentes, o projeto da Fazenda Bulcão se tornou um modelo que pode ser replicado e tem ganhado bastante visibilidade na mídia capixaba (a cidade referência de Salgado no Brasil é Vitória).
A transição para o ambientalismo também inspirou Salgado a fotografar o planeta e sua vida selvagem, uma aventura que o levou aos lugares mais remotos da Terra ainda não tocados pela atividade humana. Esse projeto, chamado Genesis, foi lançado em 2013 como livro e acompanhado por uma exposição itinerante que tem sido sucesso de público em todo o mundo. Esse filme merece ser visto; a história que ele conta emociona, inspira e precisa ser compartilhada.
Lobo Pasolini é jornalista, blogueiro e videomaker. Escreve sobre energia renovável e questões verdes para www.energyrefuge.com e www.energiapositiva.info
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