Antes de tudo, gostaria de ter escrito antes, contado as novidades em palavras afobadas que não se importam com a estética fluida de conquistar um leitor. Mas não existem tantas novidades assim a serem desvendadas enquanto seguimos enfurnados numa sala com ar- condicionado, à espera do acerto trivial de contas do próximo mês, dos planos que fazemos há séculos e adiamos a cada dia, em apostas de que logo mais eles devem ganhar um empurrãozinho de inspiração ou coragem, tanto faz.
Andei ocupado demais, com a semana sobrecarregada por um tempo que passou sem que eu pudesse sequer notar em qual ralo ele se meteu – e em qual velocidade tudo isso percorreu minha visão lenta. Como é de praxe na vida cotidiana das metrópoles – mentira, claro, o tempo é só um argumento prolixo usado em todas as desculpas injustificáveis. Não há por que nos enganarmos, certo?
Tenho escrito pouco e ponto, é a verdade. Porque escrever é tirar um peso de você mesmo a cada linha preenchida. E nem sempre a gente está disposto a abandonar o que sente, entende? Diria que eu gosto de absorver, mais do que de registrar. Talvez por isso eu só tenho conseguido começar todas as frases com um genérico “tenho pensado” – sem evoluir para o lugar de materialização de ideias, sonhos transformados em gostos embaixo da língua, essas coisas que todas as pessoas no planeta estão em busca: o próprio lugar ao sol, um espelho de identificação que reflita um feeling familiar.
É claro que eu poderia copiar alguns parágrafos da Clarice Lispector e acreditar na rima infalível do Leminski ou escrever dezenas de frases dúbias em um relato despretensioso ou inventar pretextos atrás de pretextos para dizer coisas simples. Mas, se eu tiver que ser sincero em algum momento aqui, gostaria de usar papel e caneta para dizer logo que o meu único motivo de escrever agora é: o tanto que tenho pensado que a gente anda mesmo precisando de um motivo de verdade, um impulso bombeado pela imprevisibilidade do coração, as tais passagens só de ida em mãos ou, quem sabe, apenas uma carta escrita de próprio punho, sem volta, dessas que chegam de repente, baseadas em uma vontade urgente e algumas rasuras tradicionais. E que isso, pelo menos por ora, seja a chama que nos tire do lugar-comum que é não ter perspectiva.
Precisamos disso: do tato entre peles, da presença do corpo disposto, da saudade mútua tirada à prova, de ter tempo até para sentir a saudade sufocada que não bate, das pessoas diferentes quebrando nossos paradigmas, dois copos lagoinha cheios de cerveja sobre a mesa. Precisamos de uma cidade que não pareça tão sufocante como se mostra diariamente por todas as suas rotas enganosas de saída. Precisamos encontrar as tais fagulhas de vontade de fazer diferente acesas na escuridão que ainda há pouco eram apenas manchas sem sentido e com poucas chances de brilhar.
Se eu tivesse apenas uma chance para deixar um recado no espelho do banheiro, pediria para que não fosse mais possível contar as horas ou os dias. E sairia pelas ruas dizendo às pessoas para mudar de casa e deixar as janelas abertas, para conversar com as crianças e permitir que elas nos ensinem frações inimagináveis do tempo, completamente fora da margem na qual estamos acostumados a navegar.
E que possamos embarcar em um trem, não como um fugitivos ou visionários, mas como alguém em busca de algo que nos faça simplesmente melhores – sem preocupação em quanto tempo isso possa levar. E que joguemos finalmente o dilema de viver amores de plástico para o alto, junto com todas as relações frias que mantemos conectadas por fios automáticos, só porque precisamos sobreviver e pagar contas e ostentar sorrisos amarelos que se transformam em expressões tão infelizes quando estamos finalmente a sós, esquentando uma comida congelada em frente à TV.
A sorte ou a graça disso tudo é que toda a dose pessimista que alimento nessas linhas serve apenas para revelar a mim mesmo que algumas coisas só farão sentido quando transformadas drasticamente por dentro e por fora – como entender no seu íntimo que é preciso ir embora e, a partir de passos dados sem pensar demais, encontrar o novo logo mais, sem precisar esperar. O que quero dizer é: só não vamos permitir que nos acostumemos a estar apaixonados pela mesmice. Neste ou em qualquer outro lugar que busquemos felicidade.
Texto originalmente publicado em 7.11.2015