Tarcísio Ferreira foi um dos mais destacados professores da Faculdade de Letras da UFMG, na década de 60. Lecionava linguística, mas os militares o aposentaram, por ocasião da edição do AI-5; não o queriam dando aulas. Como precisava manter a família, Tarcísio criou a Livraria Atalaia, na rua da Bahia, no caminho da Fafich. Certa vez, lá entrou uma estudante e lhe perguntou: “O senhor tem a Constituição Federal?”. Tarcísio, com sua voz grave e pausada, respondeu: “Não, minha filha; não trabalhamos com periódicos”.

Nos dias atuais a sensação que se tem é a mesma. Concebida como foi e a cada momento questionada e, sem grandes esforços, remendada, nossa Constituição hoje encobre um quadro de insegurança permanente. É a judicialização da política, como também a politização da Justiça, deslocando de suas responsabilidades genuínas os Poderes Judiciário e Legislativo, permanentemente aplicados em se substituírem no que é a vocação constitucional de cada um.

A solução para se reduzirem tais deformações, agravadas sobretudo por considerável ativismo do Judiciário, será uma reforma constitucional que não pode ser retardada. Ela seria feita para se extinguir da Constituição uma grande quantidade de normas que, se expressas como leis ordinárias, não engessariam, como hoje acontece, o funcionamento regular do Executivo, pela permanente interferência do Judiciário na definição de políticas públicas, muitas vezes com decisões descontextualizadas da realidade econômica do país.

Os números revelados da corrupção e dos desperdícios causados pela falta de planejamento, pela farra dos subsídios fiscais e pelo acobertamento da ineficiência de grande parte das empresas estatais brasileiras, e a generosa folha de vencimentos pagos, alguns criminosamente, em especial no âmbito do Judiciário e do Legislativo, mostram uma realidade suportável apenas por um país de Primeiro Mundo. Prendemos os corruptos para reduzir o assalto ao Tesouro, interrompemos as obras faraônicas e desnecessárias, e a reforma da Previdência prometeu mexer nos privilégios.

Segundo se anuncia, está em marcha a privatização de empresas onde mais se põe do que se tira. Mas isso não bastará. Sem uma reforma tributária que corte onde puder subsídios desnecessários, sem a interiorização da economia e, especialmente, sem a requalificação dos gastos públicos, isto é, gastar bem no estritamente necessário, não se fará o equilíbrio das contas públicas.

O povo tem demonstrado que gostou de ir às ruas para pedir mudanças. Lembremos que a enxurrada de privilégios e deformações pelos quais pagamos todos nós só chegou aonde chegou pela falta de vigilância de uma sociedade individualista e pouco dada a se preocupar com suas escolhas. Então, aproveitemos a onda: vamos fiscalizar, protestar, gritar por um Estado mais justo e equânime, porque o dinheiro está acabando e o pouco que restou precisa ser distribuído com mais inteligência e justiça.