O Congresso é a casa da democracia. Numa república, há o compartilhamento do poder e a segmentação das funções. Os Poderes Executivo e Judiciário dividem o palco. Isso faz parte do sistema de freios e contrapesos, eficiente vacina contra tentações autoritárias. Mas é no Parlamento onde encontramos a expressão política da pluralidade e da diversidade presentes na sociedade.
Nos últimos dias, assistimos a cenas de intolerância, sectarismo e negação do diálogo como ferramenta em nosso Parlamento. Cenas desalentadoras e pouco edificantes.
As sociedades contemporâneas são cada vez mais fragmentadas. São múltiplos os interesses. Isso se reflete no mundo das ideias, e as ideias buscam representação política. É natural certo nível de polarização, polêmica e divergência. Formam-se correntes ideológicas. Partidos políticos se organizam. Lideranças emergem e sintetizam bandeiras e causas. Em cada momento, formam-se maioria e minoria. A correlação de forças nunca é definitiva e imutável. A grande qualidade do processo democrático é seu caráter dinâmico, um aprendizado coletivo constante com permanente correção de rumos. A alternância no poder é a expressão máxima do livre jogo político. Às vezes, ganha a esquerda. Em outras, é a vez de a direita governar. Em outro momento, posições centristas dominam. Isso aconteceu, no Brasil, nestes 40 anos de redemocratização. O que não dá é a minoria eventual querer ganhar o jogo no grito e na força.
A democracia não pode ser disfuncional, tem que produzir soluções. As legítimas divergências sobre os temas centrais da vida do país não podem ter efeito paralisante. É preciso produzir consensos progressivos a partir do dissenso natural. Para que a democracia avance, é fundamental a observação de alguns princípios: respeito às regras permanentes do jogo, reconhecimento da legitimidade dos adversários, contenção no uso do poder para não afetar as condições da competição, aceitação da alternância no poder e primazia para o interesse nacional e social, acima das correntes políticas.
Não adianta só produzir barulho para as bolhas. Redes sociais podem até derrubar governos, mas não garantem o apoio para governar.
A democracia moderna nasceu para dar vazão à liberdade individual, ao livre mercado e à livre iniciativa, às luzes na cultura, à participação cidadã em eleições livres, substituindo o poder absoluto da monarquia e a excludência radical das sociedades feudais. Com a pulverização partidária, a formação de maioria parlamentar e a governabilidade ficaram mais complexas, e não só no Brasil. Aqui, a capacidade de diálogo e de construção de convergências são ainda mais importantes.
Em tempos confusos, em que patriotas se enrolam na bandeira americana contra os interesses nacionais, autoritários gritam contra uma ditadura inexistente, democratas evitam falar sobre excessos e desvios, e progressistas adotam ideias retrógradas, seria bom ouvir o líder da nossa redemocratização.
Tancredo Neves daria alguns conselhos: “Eu sou pragmático e conciliador na ação, mas inflexível em matéria de princípios”, “ninguém consegue governar bem com arrogância”, “na vida política, quem guarda ressentimentos morre envenenado” e “não se pode fazer política sem emoção, mas as decisões em política devem ser cerebrais”.
Saudades de Tancredo e Ulysses!