Observatório das Américas

Amigos, pero no mucho: um tango fora do compasso

Resultados das urnas e discordâncias entre Alberto e Cristina

Por Christopher Mendonça
Publicado em 22 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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A presidente Cristina Kirchner já estava acostumada aos corredores da Casa Rosada quando, em 2015, o seu indicado perdeu as eleições para um de seus principais adversários, Mauricio Macri. A derrota do kirchnerismo naquela ocasião mudou até mesmo o protocolo da cerimônia de posse presidencial, que não contou com a presença daquela que estava de saída para a tradicional passagem da faixa ao novo incumbente.

A ex-mandatária saiu pela porta dos fundos da sede do governo, mas deixou a promessa de que voltaria. E voltou. Depois de um período de quatro anos de grande desgaste, sobretudo em popularidade, o presidente Macri não conseguiu se reeleger. Os vencedores das eleições de 2019 eram uma dupla não convencional: Alberto e Cristina. Em diversos momentos no passado, os dois haviam protagonizado embates graves diante de discordâncias políticas e estratégicas que pareciam incontornáveis.

A chapa formada pelo antigo chefe de gabinete do presidente Néstor Kirchner e pela própria viúva de Kirchner nasceu da necessidade de se levar de volta o peronismo para o governo argentino. Envolvida em uma série de investigações judiciais, Cristina aceitou a segunda posição, dando o lugar de destaque na campanha a um dos seus desafetos dentro do Partido Justicialista, o professor universitário Alberto Fernández.

Em menos de dois anos de mandato, o presidente argentino sofreu duros reveses, que são frutos de suas escolhas políticas. As promessas de alto teor populista proferidas durante a sua campanha começam a não chamar mais a atenção da opinião pública, e o sentimento de insatisfação ocupa novamente as ruas do país. Na primeira fase das eleições legislativas realizadas há poucos dias, a coalizão peronista sofreu uma grande derrota, colocando em risco o controle no Congresso e a governabilidade do país.

Os candidatos ligados ao partido do presidente perderam em 18 dos 24 distritos argentinos, e a frente de oposição ganhou espaço no Legislativo nacional dando lugar inclusive para grandes rivais do governo, como é o caso do liberal Javier Milei. A importante aliança com o presidente da Câmara dos Deputados, Sérgio Massa, chegou ao fim, e a nova conjuntura que se estabelece na Argentina preocupa até mesmo os políticos mais experientes. Entre esses políticos está a vice-presidente, que culpa a inabilidade do seu companheiro de governo em conduzir as relações com sua base.

Toda dinamite está instalada no palácio presidencial, e a rivalidade entre Alberto e Cristina já abala o país. O tango montado para ser executado de forma perfeita a partir de 2019 já saiu do compasso. Alterações substanciais foram realizadas no gabinete presidencial com a substituição de vários ministros, a maioria deles por imposição da vice-presidente. Cristina abandona o papel temporário de parceira estratégica e direciona todas as armas da máquina peronista para a reversão do quadro eleitoral, mesmo que isso custe o sacrifício político de Alberto Fernández.

Até novembro de 2021, quando haverá uma nova fase do processo eleitoral, o jogo político na Argentina passará por importantes testes. Aos poucos, o tango vai se acabando, as cortinas vão se fechando, e a plateia começa a enxergar que a estética dos bastidores não é tão perfeita quanto a demonstração do palco. Quem realmente comanda a Argentina? Será que o peronismo light está saindo de moda?

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