Como parte das promessas de campanha, nos primeiros dias de governo, o presidente Joe Biden assinou uma série de ordens executivas cujo objetivo é reverter as políticas de imigração do ex-presidente Donald Trump. As declarações de Biden sinalizando que o governo seria mais tolerante com a imigração ilegal e suas ações provocaram um influxo grande desses imigrantes na fronteira dos EUA com o México.

Alguns números dão uma ideia do tamanho desse crescimento. Só em março deste ano, as autoridades federais detiveram quase 170 mil imigrantes ilegais na fronteira. Desse número total, mais de 18 mil eram crianças desacompanhadas, e aproximadamente 53 mil pessoas em família tentando cruzar a fronteira. Em relação ao mês de fevereiro, isso representou um aumento de 72% e, comparando com o mês de março do ano passado, houve um aumento 243%.

Entre os números, o que vem sendo mais discutido é o aumento de registros de crianças desacompanhadas: antes de março de 2021, o maior número registrado foi em maio de 2019, quando as autoridades barraram 11.475 crianças desacompanhadas tentando atravessar a fronteira (cabe destacar que esses números são de crianças com no máximo 12 anos). Ou seja, o número atual é quase o dobro do maior número até então registrado.

Além disso, imagens dos centros de detenções para essas crianças, que haviam sido divulgados durante o governo Trump, também foram divulgados pela mídia agora, gerando uma repercussão muito negativa entre a realidade e o discurso pró-imigração do governo Biden. Tal situação produziu três medidas por parte do governo atual: a primeira foi suspender a determinação que limitava em 50%, em razão da pandemia de Covid, a ocupação dos centros de detenção de imigrantes ilegais – agora essas instalações operam em capacidade máxima; a segunda foi abrir centros de detenção (que o governo chama de “acolhimento”) emergenciais; e, por fim, segundo “The New York Times”, o governo está estimulando funcionários a tirarem até quatro meses de licença remunerada para se voluntariarem a trabalhar nesses centros, especialmente os que cuidam de crianças.

As razões apontadas para explicar essa caótica situação são: a ordem assinada por Biden para suspender as deportações de imigrantes ilegais; outra ordem executiva que determina que, após 72 horas, caso o departamento de fronteira não avaliasse o pedido de entrada do imigrante ilegal, este seria liberado para aguardar dentro dos EUA; suspensão da construção do muro na fronteira com o México; e, por fim, as declarações do atual presidente sinalizando que os imigrantes ilegais da fronteira sul não seriam mais deportados de volta e ainda poderiam receber ajuda financeira e serviços de saúde para permanecerem nos EUA.

Alguns fatos e notícias sinalizam os custos políticos para Biden: o anuncio da saída no fim deste mês de Roberta Jacobson, apelidada de “czar da fronteira”, do Conselho de Segurança Nacional; informações vazadas de altos funcionários de que o governo cogita retomar e finalizar a construção do “muro do Donald Trump”; o conhecido colunista anti-Trump de “The New York Times”, Bret Stephens, defendendo que Biden termine a construção do muro na fronteira; a declaração do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, qualificando como “desastrosa” a política de migração de Biden; e a carta assinada por 275 xerifes de 39 Estados pressionando o governo a suspender suas atuais políticas de imigração, assim como a sinalização do Estado do Texas de liderar um esforço com outros Estados em reverter por via judicial as políticas de migração do governo federal

Essa conjuntura estabeleceu uma guerra de narrativas políticas. De um lado, governo Biden, partido Democrata e seus apoiadores na opinião pública chamando a situação de “desafio” e defendendo que se mobilizem recursos financeiros para lidar com ela – posição bastante problemática de ser defendida no contexto de crise econômica em razão da pandemia. De outro lado, o partido Republicano, o ex-presidente Trump e seus apoiadores chamando de “crise planejada”, acusando que a verdadeira intenção de Biden é reconfigurar demograficamente os colégios eleitorais a seu favor ao custo de uma verdadeira crise humanitária.

O fato é que essa guerra de narrativas é importante para entender o futuro do governo Biden nas eleições legislativas de meio de mandato no ano que vem, pois o insucesso pode desagradar a eleitores e à ala de esquerda do governo, e, por outro lado, o sucesso em manter a política pode reduzir a popularidade do governo em setores mais moderados.