PAULA PIMENTA

Baratas

Redação O Tempo


Publicado em 20 de setembro de 2014 | 03:00
 
 
 
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Algumas semanas atrás estive na casa de uma das minhas amigas de infância, que também foi minha vizinha por muitos anos, até ela se casar e mudar de cidade. Mas nós temos aquele tipo de amizade em que, mesmo se ficarmos anos sem nos encontrarmos, o vínculo não diminui. Ela me viu crescer. Ela sabe detalhes da minha vida que ninguém mais acompanhou. Ela se lembra de histórias que compartilhamos e que fazem com que o passado não seja apenas meu ou dela, e sim nosso...

Foi exatamente uma dessas histórias que ela recordou nesse nosso último encontro que rendeu boas gargalhadas e que sempre que volta à minha lembrança me enche de saudade. Eu realmente gostaria de ter uma máquina do tempo para reviver a situação e até filmar para poder mostrar para todo mundo! Mas, como isso não é possível, vou contar para que vocês possam pelo menos imaginar como foi trágico e cômico ao mesmo tempo.

Cursávamos o 2º ano do ensino médio (que naquela época ainda se chamava 2º ano científico). Eu estava prestes a fazer intercâmbio e, por isso, queria aproveitar ao máximo cada dia, já que, teoricamente, eu passaria o meu último ano de escola no exterior.

Nós duas sentávamos na última fileira, aquela mesma onde ficam os mais bagunceiros da sala, e o meu melhor amigo era um deles. E foi conversando com ele, com a minha amiga e com outro colega, durante uma aula extremamente tediosa, que chegamos à conclusão de que devíamos fazer alguma coisa para agitar um pouco aquele marasmo. Não lembro bem qual dos quatro sugeriu, mas o fato é que tivemos uma ideia que na hora pareceu maravilhosa: soltar uma barata na sala.

Pegar o pobre inseto foi a parte mais fácil. O meu irmão e o da minha amiga eram bem corajosos e, ao solicitarmos, conseguiram na mesma noite não apenas uma, mas três baratas, que colocaram em um vidro. E foi aí que começou o nosso plano infalível, que executamos como se fosse uma missão secreta. O dia seguinte era Dia dos Namorados, então minha amiga, como pretexto, colocou o tal vidro em uma sacolinha de presente. Ela entregou para o nosso colega, que me entregou, e em seguida, entreguei para o meu amigo. Ele guardou a sacola, até que, no meio da aula mais chata... soltou as baratas. As três. Juntas.

Imediatamente eu falei: “Barata!!!” Todas as outras meninas da sala, ao constatarem que era verdade, subiram em cima das cadeiras aos gritos. Foi um Deus nos acuda! A professora, ao ver do que se tratava, caminhou calmamente pelo corredor da sala, como se passasse por aquilo todos os dias, e simplesmente pisou na baratinha. Sem o menor vacilo. Mas ela não contava que no segundo seguinte veria mais duas: uma indo para esquerda e outra para a direita. No mesmo instante ela entendeu que aquilo não era uma simples coincidência. Olhou para o meu amigo – que geralmente era o responsável por toda bagunça que acontecia em nossa sala – gritou o nome dele e o mandou para a diretoria.

Ele admitiu a culpa sozinho e foi suspenso por três dias. Como solidariedade, eu e os outros dois envolvidos também não fomos à aula durante a suspensão dele, por mais que ele dissesse que aquilo não era necessário.

E essa história teria terminado aí, não fosse por um pequeno detalhe: poucos meses depois começou o meu intercâmbio. Como contei, o esperado era que eu ficasse lá por um ano. Por isso, na primeira vez em que chamaram a atenção do meu amigo após a minha viagem, para se inocentar, ele argumentou: “Tudo eu, tudo eu! Até as baratas que a Paula soltou na sala foram minha culpa, né?”.

Não teria o menor problema, afinal, o esperado era que eu nunca mais pisasse naquela escola. Só que ele não contava com um detalhe... Eu acabei retornando do intercâmbio meses antes e, com isso, não cheguei depois da formatura. Ao voltar para a escola, senti que todos os colegas e professores estavam me lançando olhares meio estranhos, e foi só então que me contaram essa parte da história...

Na época eu quase morri de vergonha, mas hoje me divirto com essa lembrança e não me arrependo nem um pouco! Quando encontro algum dos envolvidos no “crime”, sempre falamos sobre o assunto, e é como se vivêssemos aquela travessura outra vez. A impressão que dá é que não se passaram tantos anos, e sim poucos meses...

Por esse e outros acontecimentos igualmente marcantes, a minha adolescência foi tão especial, e acho que é por isso que até hoje eu crio histórias baseadas nela... É uma forma de imortalizar aquela fase e reviver um tempo em que ser feliz era a única coisa que importava. Talvez eu devesse aprender um pouco com aquela garota que fui. Afinal, a nossa vida não deveria ser sempre assim? Vivendo cada dia intensamente e tendo ideias mirabolantes para varrer o tédio?

É, acho que vou perguntar se o meu irmão ainda tem coragem de capturar umas baratas...

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