PAULO HADDAD

De Davos a Brumadinho

Uma empresa se justifica sendo boa para o conjunto da sociedade


Publicado em 04 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Peter Drucker (1909-2005), considerado o mais destacado pioneiro da administração moderna, afirmava que a empresa não se justifica como sendo boa nos seus negócios, mas somente se justifica sendo boa para o conjunto da sociedade. Na última reunião do Fórum Econômico Mundial de Davos, membros do Comitê Executivo do Fórum destacaram que “as empresas necessitam de um marco estratégico para alcançar os seus objetivos de rentabilidade de longo prazo e para a gestão de seu impacto na sociedade”. Destacaram também que, embora o setor privado não seja uma agência de desenvolvimento, “há muitos problemas da sociedade que não podem ser resolvidos sem o setor privado”.

Essa concepção moderna de empresa, consensualizada entre os principais líderes mundiais em Davos, está prevalecendo nas economias de mercado mais avançadas e sendo incorporada na formação de uma nova geração de gestores que não são treinados nas melhores universidades norte-americanas e europeias (em geral nos cursos de MBAs) apenas para fazer das empresas máquinas insensíveis de gerar lucros para os seus acionistas. Atualmente, até mesmo alguns fundos de investimentos resistem à ideia de que haja inconsistência na gestão de uma empresa entre sustentabilidade socioambiental e a criação de valor para os acionistas.

Neste mês, por exemplo, a tradicional gestora holandesa de recursos financeiros Robeco, que detém mais de 170 bilhões de euros em ativos, retirou a Vale da sua lista de aplicações, após o rompimento da barragem de Córrego do Feijão. Mais do que isto, está integrada a outros poderosos gestores internacionais de ativos financeiros que, em conjunto, reúnem sob sua gestão US$ 1,3 trilhão, visando também a estabelecer uma avaliação independente da segurança das companhias mineradoras do mundo inteiro para, eventualmente, retirar do seu portfólio empresas que não respeitam a vida das pessoas no seu entorno de negócios.

O que esses fundos de investimento estão cobrando das empresas de diferentes setores (petróleo, minérios e metais, indústria química, etc.) são compromissos efetivos com as questões ambientais, sociais e de governança. Eu acrescentaria as questões morais e éticas, como a aversão a processos de corrupção financeira dos agentes públicos, de representantes políticos e de consultores. Empresas que são orientadas pelo propósito único da maximização de lucros no curto prazo correm um imenso risco, no longo prazo, de destruir o valor de sua imagem institucional e o valor dos seus próprios ativos financeiros. As empresas precisam se conscientizar sobre a sua responsabilidade social e o seu valor público num país onde é extraordinária a complacência das elites com as profundas desigualdades de renda e de riqueza e com a nefasta transformação do meio ambiente em um lixão a céu aberto, onde são depositados crescentemente os dejetos da produção, do consumo e da acumulação.

Keynes dizia que o capitalismo somente poderia encontrar legitimidade se as pessoas de rendas mais modestas continuassem a acreditar que as pessoas mais ricas mereciam sua sorte graças às suas contribuições para a sociedade, e não graças à especulação e ao roubo.

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