"Ainda assim, eu me levanto”. A frase tatuada na pele da atleta Simone Biles precisa ser lembrada e entendida. A jovem, que é considerada uma das maiores ginastas de todos os tempos, ainda precisa de frases motivacionais para se ver do tamanho que é. Não o tamanho físico, não estou falando da estatura dela, e sim da magnitude do que ela representa para o esporte mundial e para meninas negras que podem sonhar em estar onde quiserem. Eu queria poder dizer que a Simone chegou a um ponto da vida em que não precisa mais se reafirmar. Porém, as Olimpíadas em Paris mostram que não importa quem você seja. O racismo vai te perseguir. Duvida disso? Então digite na internet “Simone Biles”, que você vai entender. Enquanto ela ganhava medalhas, um feito conquistado por poucas pessoas, havia quem falasse sobre o cabelo dela de forma depreciativa.
Os fios da mulher que criou um tipo específico de salto e chega a patamares até então não alcançados no esporte que pratica teriam ficado “bagunçados”. Isso depois de ela virar de cabeça para baixo literalmente e dar um dos maiores espetáculos do dia olímpico. É sério que nós vamos fingir que isso é normal? Quando ela diz: “Não comentem sobre o cabelo de uma mulher negra”, verbaliza o grito de socorro de milhões de pessoas que simplesmente são vistas como inferiores por não terem cabelos lisos. E aí eu te pergunto de novo: é sério que vamos fingir naturalidade em ter a beleza negra criticada ao vivo? Quando o assunto na verdade é esporte, eu preciso lembrar. Percebe que os atributos físicos das atletas não importam nesse contexto, e, mesmo se importasse, ela é linda!
Agora, voltando à frase tatuada por ela. Estamos falando da Simone, uma mulher que passou por abrigos na infância, lutou para sobressair em um área onde o perfil esperado era o de pessoas brancas, sofreu abusos da equipe técnica (denunciados por várias outras meninas) e chegou ao pódio inúmeras vezes. Ela caiu na vida e soube dar uma cambalhota na sequência. Sentiu-se na lona em vários episódios, mas, ainda assim, se levantou. Porém, não é só sobre ela.
A frase não foi criada pela Simone, mas a representa. Aliás, nós, negras, poderíamos nascer com essa marca, porque ela diz sobre todas nós. “Mas todo mundo tem sofrimento, não só pessoas negras”, alguém pode dizer. Sim, concordo. Mas, quando brancos ganham, eles ganham. Sem nenhum “mas ele não penteou o cabelo”. A frase citada no início do texto faz parte do poema “Still I Rise”, escrito por Maya Angelou, pseudônimo de Marguerite Ann Johnson, que morreu em 2014. A artista era amiga de Martin Luther King e de Malcolm X e se dedicou à busca de direitos civis e à emancipação dos negros. Entre vários trechos maravilhosos, cito um para quem não conhece o poema: “Pode me atirar palavras afiadas. Dilacerar-me com seu olhar. Você pode me matar em nome do ódio. Mas, ainda assim, como o ar, eu vou me levantar”.
É isso. O ódio por trás do racismo nos dá rasteiras todos os dias, e nos levantamos. E, só para trazer algo que também gerou debate nas redes sociais, eu digo que é relevante, sim, dizermos que os atletas negros que ganham medalhas são negros. Porque, em um espaço antes não ocupado por pretos, vencer significa muito, como me lembrou por telefone outro dia, indignada, a Simone. Não a Biles. A Sinis, minha cunhada.