O Brasil é uma soma de vários “Brasis” e, em alguns deles, existe uma espécie de apartheid não oficial. Eu sei que fora de contexto essa frase pode não dizer muita coisa, mas vamos por partes. Apartheid é um regime de segregação racial que existiu na África do Sul, entre 1948 e 1994. Em resumo, enquanto ignorou esse sistema, os espaços de acesso e direitos de pessoas negras eram limitados. A separação entre brancos e negros era tão grande que o casamento entre uns e outros chegou a ser proibido por lei. Antes de dizer: “Ah, no Brasil não existem leis que dividem a população entre grupos raciais dessa forma”, segure o ímpeto e já leve em conta que nem tudo está no papel. Há questões culturais e sociais relevantes a serem levadas em conta nesse tipo de análise.
Recentemente, em uma viagem à Bahia, me deparei com uma situação muito incômoda (para dizer o mínimo). Aliás, com uma cena explícita do crime de racismo. Crianças negras, moradoras de lá, jogavam bola em uma praça localizada em um ponto turístico e rodeada por bares e restaurantes. Uma turista branca, sentada em um desses estabelecimentos comerciais, chamou o gerente para expor o receio dela de a bola acertá-la. Mesmo que nitidamente não houvesse esse risco e existindo várias mesas em outros pontos mais distantes da praça, ela se sentiu no direito de querer proibir pessoas de usufruir de um espaço público. Bem, reclamação é livre. Concordo. Mas o gerente foi até as crianças e tentou convencê-las a jogar bola em outro local. Com a negativa deles, a senhora chamou a Guarda Municipal.
Até aqui, acho que a história já está no mínimo estranha. Mas, com todo esse circo armado, e com o aparato institucional de segurança dando cobertura, o marido dela começou a discutir com o grupo. De onde eu estava, não consegui ouvir o teor da conversa, mas, depois que os agressores foram embora, o gerente relatou que aquele homem chamou uma das crianças de “macaca”. E foi só nesse momento que o principal motivo veio à tona: o incômodo não era a bola nem o fato de crianças estarem correndo. Aquela turista acreditava que aquele lugar deveria ser exclusivo para um perfil específico de pessoas. E aí, eu pergunto: o que mais seria isso senão segregação? Se pensarmos que ela cometeu um racismo (crime) perto de guardas e não foi criminalizada por isso, entendemos que uma instituição é conivente com esse tipo de situação. Se aprofundarmos mais ainda e direcionarmos o olhar para o gerente do estabelecimento, que também não fez nada perante a agressão, podemos inferir que é algo visto como comum naquele local. Sendo assim, seria necessária uma lei oficializando a segregação para chamarmos de apartheid? E o pior, quando o racismo foi citado, já era tarde para haver denúncias por parte de alguém que se indignasse, porque os autores do crime já não estavam mais lá.
Como não pensar que o negro só é aceito em sociedade quando tem alguma utilidade?
Como podem os mesmos turistas que vão à Bahia e gostam de aproveitar as festas locais, com negros trazendo entretenimento e cultura, não suportar dividir outros espaços com a mesma população? Na mesma praça, aconteceram apresentações de capoeira para que turistas, como essa citada no texto, aplaudissem. Como não pensar que o negro só é aceito em sociedade quando tem alguma utilidade? E aqui eu cito uma reflexão feita por Acir Galvão (um colega de redação): como não fazer uma alusão ao tempo em que pessoas negras eram expostas, como animais em zoológicos, mundo afora, em função de características que eles chamavam de “exóticas”? Finalizo com as perguntas para que você, caro leitor, tente encontrar as respostas