De tão enraizado em nossa sociedade, o preconceito racial está por toda parte e se manifesta de diferentes formas. Sei que essa afirmação é pesada e parece um tanto quanto generalista. Mas não vi outra forma de começar este texto após “mergulhar” no conteúdo do livro “Racismo Estético: Descolonizando os Corpos Negros” e ter uma conversa com o autor, o doutor em linguagens, pesquisador e professor João Xavier. Eu quis entender, afinal, o que era esse racismo estético. Seria ele apenas a tão conhecida aversão às características da população preta? Em outras palavras, seria o não enquadramento de nossos cabelos, nariz, boca, enfim, nossos corpos, a um padrão tido como ideal em nossa sociedade? Sim e não. Sim porque é isso também. E não porque é muito mais do que isso. E é esse “a mais” que me fez confirmar: o racismo é uma espécie de praga que, de tão entranhada, é difícil, ou quase impossível, de ser combatida.
Mas vamos ao livro. Para entender o racismo estético é preciso saber o que é a estética em si. É uma área do conhecimento obtida através dos sentidos. É como percebemos e somos percebidos pelo mundo e a forma como nos manifestamos. Há uma preocupação estética em toda arte, assim como há no modo como nos vestimos. Ambas falam muito sobre nós. Entendido isso, fica fácil compreender que o racismo estético é o descrédito ao que vem da negritude.
Vamos aos exemplos. É comum a muitas pessoas o pensamento de que a música clássica é mais culta do que o funk e o samba, por exemplo. Mas você já se perguntou de onde saiu essa “verdade absoluta e incontestável”? Xavier, o autor do livro que eu citei lá em cima, me explicou didaticamente isso com um exemplo: “O samba foi criminalizado no Brasil até a década de 40. Isso mudou com Getúlio Vargas, quando ele trouxe uma ideia de nacionalismo. Aí o samba e outras manifestações estéticas dos negros, como a capoeira, passaram a ser mais aceitos no país”, conta. E o funk? Como um estilo musical típico dos morros, onde a maior parte da população é negra e pobre, ele é visto como marginal. Não é chique, sacou?
E, aqui, uma explicação se torna urgente: o que isso tudo tem a ver com racismo? Foi também Xavier quem ligou essas peças para mim e, como sou legal com vocês, já vou contar aqui resumidamente. É mais ou menos assim: quando os filósofos europeus começaram a pensar sobre a estética e a definir o que é belo e o que não é, os negros estavam sendo escravizados e desumanizados em várias partes do mundo. Então, parece óbvio que qualquer estética ligada àquela população que era vista como inferior não seria cultuada, né?
Sim, isso faz muito tempo. Mas sabe qual é o maior problema? É que os conceitos da estética, da política e de outras áreas de pensamento são estudados até hoje nas escolas e nas universidades. “Platão, um dos grandes pensadores, tem uma citação chocante que é só um pedaço do que o racismo representa: ele disse que há dois tipos de seres humanos, os brancos e os negros. E que os brancos têm o direito de dominar, e os negros, de obedecer”, diz Xavier.
Com uma base estética formada por pensamentos preconceituosos, era esperado que as produções vindas da negritude fossem vistas como inferiores. O mesmo se aplica ao grafite, que é visto como “rabisco” ou “arte marginal” e às expressões de religiosidade com base na cultura africana, que são vistas como “o mal” por uma parte da população. E isso tudo em função de uma visão que foi criada lá atrás e ainda pauta discursos e pensamentos preconceituosos. E é com base nesta certeza de que o racismo está até nos livros e na base do pensamento crítico que eu questiono: como combatê-lo?