O esporte, assim como a arte, a cultura e a educação, é um instrumento de resistência e transformação excepcional. Você certamente já ouviu dizer que “o futebol é muito mais do que um jogo”, não é? Pois o Sul-americano de 1919 (a atual Copa América), disputado no Brasil, é uma enorme prova disso. E uma ótima maneira de aprender e entender melhor isso é lendo o ótimo “Sul-americano de 1919”, livro de Roberto Sander, que mostra como “o Brasil descobriu o futebol” com a competição e como o torneio ajudou a transformar a realidade do jogo no país.

Na época, afinal, o futebol brasileiro era muito amador e negado ao povo, sendo mais um bem das elites brancas. Falar em justiça social era cadeia certa em um país comandado por coronéis de engenho e barões do café. Ainda assim, acontecia, 100 anos atrás, o que acontece até hoje: os governantes tentavam se apropriar dos encantos do futebol e ligar, sempre que de forma conveniente, a sua imagem às vitórias dentro de campo.

Tanto que não faltou apoio político para a realização do torneio em 1919. O livro, porém, mostra como o objetivo de sediar o Sul-americano não era vencer, mas, sim, mostrar aos estrangeiros como o povo brasileiro era civilizado e sabia receber bem outros povos. No entanto, o título de 100 anos atrás acabou se tornando questão de honra após o racismo demonstrado por argentinos e uruguaios contra os brasileiros e, inesperadamente, o futebol acabou deixando de ser de poucos para se tornar um patrimônio para todos no Brasil, independentemente de cor, credo e classe social.

A obra de Sander mostra como essa transformação aconteceu com o povo, a imprensa e os políticos. O Rio de Janeiro parou para a acompanhar a competição, que teve todos os seus jogos disputados no Estádio das Laranjeiras. O interesse pelo futebol passou a ganhar contornos de paixão e virar um amor nacional com a competição. Tanto que o policiamento precisou ser reforçado para evitar invasões de campo. Sim, isso já acontecia 100 anos atrás.

O livro também passeia com competência pela campanha brasileira e mostra a importância não só futebolística, mas histórica, política e social, das vitórias sobre Argentina e Uruguai, especialmente o gol do título do mulato Arthur Friedenreich, um dos grandes craques da história do futebol brasileiro, na decisão contra a Celeste Olímpica. O legado da competição disputada 100 anos atrás é enorme não apenas dentro, mas também fora de campo. Afinal, “o futebol é muito mais do que um jogo”.