A Unesco estima que 1,5 bilhão de alunos estão sem aula no mundo em razão da pandemia. As crianças e os jovens, confinados em casa, diminuem a sociabilidade, regridem emocional e pedagogicamente, com efeitos possivelmente duradouros no seu desenvolvimento, em especial diante da ausência de políticas públicas que minorem o impacto do isolamento.

O Brasil, em razão da desigualdade brutal, pobreza e descaso com a educação básica, ainda possui muitas crianças sem acesso a creches e a pré-escola, apesar da notável melhoria nesse quesito ao longo das últimas décadas. Embora a taxa de cobertura, entre 2002 e 2018, tenha pulado de 14,9 % para 35,7 %, em creches, e de 67% para 93,8 %, na pré-escola, nada justifica nosso atraso secular. Não tratamos nossas crianças como deveríamos, e a pandemia agravou ainda mais os problemas existentes.

As crianças pobres, num ambiente desprovido de infraestrutura básica e de menor estímulo, acabam por ser as maiores vítimas da pandemia. A questão se torna ainda mais grave na chamada “primeira infância”, que corresponde às crianças com idade entre 0 e 6 anos.

A primeira infância é o momento mais importante para o desenvolvimento humano. É nesse período que as habilidades motoras, cognitivas e emocionais são mais desenvolvidas. Uma boa infância, com os estímulos e apoios necessários, aumenta enormemente as chances de um melhor desempenho pessoal, educacional e profissional, com reflexos permanentes em toda a vida adulta. Pode-se afirmar, sob qualquer perspectiva, inclusive financeira, que o melhor investimento que um país pode fazer é na primeira infância (o Banco Mundial estima em 17 vezes o retorno do valor investido).

O papel do governo e da sociedade é crucial para ajudar as famílias na travessia de um dos maiores desafios do nosso tempo. O foco deve ser minorar os efeitos da pandemia, proteger as crianças e estabelecer as condições para que as consequências não sejam permanentes.

No curto prazo é imprescindível uma política de apoio às famílias e às crianças, com o estabelecimento de estratégias nacionais e em rede de apoio emocional, pedagógico e financeiro para superar as consequências de um isolamento prolongado. Deve-se ainda, sobretudo nas discussões urgentes a respeito do Fundeb, aprimorar os mecanismos de financiamento, com vistas a estimular o acesso e a melhoria da educação para a primeira infância. Por fim, no momento em que se discutem mudanças nos programas sociais, nada pode ser mais importante que priorizar ainda mais a assistência às crianças pobres e suas famílias, seja com mais renda, seja com a promoção de ações integradas na área de saúde, educação e assistência.

A primeira infância é a chave para o nosso desenvolvimento. Investir com alta prioridade nas crianças não é só vantajoso, mas um imperativo ético de qualquer sociedade. Almejar a igualdade de oportunidades – ao menos do ponto de partida de cada cidadão – é um propósito que deve mobilizar toda a sociedade brasileira. Que o próximo ministro ajude a coordenar e a promover as mudanças necessárias. Os desafios são gigantescos, e já perdemos muito tempo com devaneios pseudoideológicos.