Quando era menino e se aproximava o Natal, apesar do frio que me deixava encolhidinho, eu ficava eufórico. A expectativa das festas, os enfeites que adornavam a casa, o musgo da sorte pendurado na porta, a estrela que guiou os Reis Magos, os presentes que pedíamos com uma cartinha enviada a Papai Noel... tudo era mágico. Tive muita sorte, ao contrário de outros.
O momento dourado começava com a festa de Nossa Senhora Imaculada, no dia 8 de dezembro; tinha um dia totalmente especial, em 13 de dezembro, comemoração de Santa Lucia – que coincidia com a tradição de doar presentes, deixando-os de madrugada na janela do quarto dos meninos; seguia-se para o dia 16, com o início da Novena do Natal, o terço recitado a cada noite em volta do presépio; e a noite da véspera, com o jantar de “magro” e a missa na virada da meia-noite, no momento do nascimento do Menino, que encarnava na gruta de Bélem. O amanhecer do dia de Natal acontecia com a correria até a árvore enfeitada de bolas coloridas, pingentes e luzes, para abrir as caixas que o Papai Noel tinha deixado para todos. Mais missa, e almoço às 13h, com toda a família, para dividir o que tinha de melhor: do antepasto aos raviólis, segundo prato, sobremesa, frutas e doces de todos os tipos, seguindo um ritual de épocas imemoráveis.
O semifredo, o panetone de Milão, a “spongada” de Cremona, o torrone, os “Baci Perugina”, o “gianduiotto” de Turim, mais panetones de Verona, a “meringa con panna montata” (merengue com chantilly), os vinhos que meu pai deixava esfriar na janela para estar na temperatura mais agradável ao paladar – o malvasia que ele mesmo produzia artesanalmente, mais o sangiovese, o barbera e o Barolo do Piemonte –, o espumante Ferrari dos Colli Veneti, o moscato siciliano, o licor Nocino, a Sambuca, o Amaretto di Saronno, o Marsala e por aí afora.
Os pratos e os doces típicos da Itália são inumeráveis em suas versões. Diz o ditado que, “no mundo, os homens comem para poder viver, e os italianos vivem para poder comer”!
Retirado o almoço, vinha o café, e depois era a vez dos jogos. O mais entusiasmante era o agitado “Mercante in Fiera”, disputados por todos e que brindava os ganhadores com prêmios fantásticos. Em seguida, nas mesas havia quem jogasse canastra ou tômbola (bingo).
Era praxe nas conversas dos maduros lembrar os parentes já falecidos, aqueles que se mudaram de Parma para outras cidades ou países, as proezas e as desgraças de cada um. Às 16h, apareciam outros parentes para dividir a fartura e tomar chá preto com algumas gotas de limão-siciliano, biscoitinhos, “cioccolatini” e tartine com pasta de anchovas, maionese caseira, “caperri” de Nápoles e a mais deliciosa torta de amêndoas.
Lá pelas 17h, apenas os mais jovens iam ao cinema e, antes de retornarem à casa, passavam pelos pontos frequentados pelos amigos: bares e praças. Às 20h, era o jantar, lembrando o que havia se passado durante o dia.
Não havia um segundo sem algo pertencente a um ritual que se repetia a cada ano, e a noite era ainda de brincadeiras e de assistir a um filme com tema natalino.
Quase sempre, na véspera, desciam do céu noturno flocos de neve cobrindo tudo com uma manta branca. A atmosfera mergulhava na pureza, escondendo por alguns dias tudo que era feio. Igualava os telhados de ricos e pobres. A neve, como um algodão, amortecia os sons, retirava os ecos, clareava as noites, concedia uma sensação de proteção. Ajudava a meditar, a valorizar a casa aquecida. Deixava os sons dos vários campanários da cidade mais suaves e reconhecíveis. Mas ainda se distinguiam as diferentes tonalidades das campanas das torres de San Paolo, San Giovanni, San Alessandro, San Vitale, do convento dos capuchinhos, da Basílica de Santa Maria della Steccata, construída entre 1521 e 1539, e a da catedral, que era acionada em raras recorrências.
É incrível como os anos se passam, e as pessoas e os eventos se perdem pelos caminhos, mas o Natal daquela época permanece vivo, indelével, como se tivesse ocorrido ontem.
Feliz Natal a todos, e que a paz, a saúde e a felicidade se renovem, como nos melhores tempos de nossa infância.