Foram precisos mais de 60 anos até que o Brasil tomasse conhecimento de Clementina de Jesus e sua combinação ainda singular na música brasileira de voz feminina grave e repertório ancorado em cantos ancestrais, com jongo, curima e partido-alto. Em 23 anos de carreira após ser descoberta aos 64 anos, deixou cinco discos de estúdio e participações em outra meia dúzia. Agora, quase três décadas após sua morte, sua memória começa a ser reconstruída – a editora Civilização Brasileira anunciou neste ano o lançamento da biografia da cantora e o musical “Clementina, Cadê Você?”, produção de 2013, volta a circular o Brasil com passagem por Belo Horizonte no Teatro de Câmara Brasil Vallourec no sábado (7) e domingo (8).
Com produção minimalista, indo na contra-corrente dos musicais super produzidos em voga hoje no Brasil, “Clementina, Cadê Você?” reúne seis atores em uma fictícia roda de samba para resgatar passagens da vida da neta de escravos desde sua infância em Valença (RJ) até seu reconhecimento artísticos tardio, após ser descoberta pelo produtor Hermínio Bello de Carvalho. “O que mais gosto na história dela é que ela parecia ser a mesma pessoa de antes do descobrimento musical. Ela já era especial porque não se tornou algo aos 64 anos, quando ficou conhecida por seu talento. Era uma mulher comum, que trabalhava, tinha filhos, marido e adorava cantar e tomar uma cervejinha e tinha o mesmo espírito fascinante que ficou conhecido do grande público nos últimos 20 anos de sua vida. Isso é bonito demais. É grande!”, celebra a atriz Ana Carbatti, que dá vida a Clementina.
Para viver a rainha Quelé, maneira reverenciosa de se referir à cantora, Ana e a direção do musical optaram por um caminho orgânico, subjetivo, que tenta expor a essência de Clementina e não um espelho de seus trejeitos e voz. “A gente passa por toda a vida dela de um jeito bem poético, dando importância pro que é importante: a música. A essência da Quelé estava no seu jeito único de cantar e nas histórias que ela contava quando cantava aquelas músicas. A história da Quelé está em cada refrão que cantou”, descreve Ana.
Tentar mimetizar a artista seria uma escolha ingênua, ela defende. “Encontrei um jeito de cantar que tem ‘um cheiro’ do timbre dela, das suas inflexões, lá longe e sem o intuito forçado que o público identifique. Fico meio desconfortável com essa gente que tem o timbre e o jeito de cantar ‘igual’ ao de um artista do porte e com a popularidade de uma Clementina, Cássia Eller, Elis... Loucura minha, eu sei, mas fazer o quê?”, justifica a atriz, que chegou a se dedicar ao canto por oito anos, durante uma temporada nos Estados Unidos.
Ao todo, são 25 canções pinçadas do repertório de Clementina, cantadas por Ana e executadas pelos cinco atores, que se revezam no pandeiro, cavaquinho, violão, tantã, flauta e tambor. Os atores também encarnam personagens que passaram pela vida da cantora: o marido Albino, o produtor e seu “descobridor” Hermínio Bello de Carvalho, além de grandes sambistas como Elton Medeiros (cuja composição batiza o nome do musical), Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento.
Televisão
A partir do dia 16 de maio, Ana estará no ar em “Haja Coração”, nova novela das 19h, remake do sucesso Sassaricando (1987). “Vou dar vida a Nair Pereira, mãe adotiva de Apolo, Adônis e Larissa. Uma professora que batalha muito e faz tudo pra ver os filhos e os amigos felizes e tranquilos. Mais uma guerreira brasileira pra minha carreira!
“Clementina, Cadê Você?”
Theatro de Câmara Brasil Vallourec (av. Amazonas, 315, centro, 3201-5211). Dias 7 (sábado) 8 (domingo), às 18h e 20h. R$ 40 (inteira)