O nome do projeto já dá um forte indicativo de sua diretriz: “Artivista” é, claro, uma junção das palavras arte e ativista. Promovendo um intercâmbio entre grafiteiros mineiros e franceses, a iniciativa acaba de colocar um ponto final em sua primeira etapa: na última quarta-feira, dia 20, os quatro muralistas locais e os três franceses convidados apresentaram à comunidade do Morro das Pedras o fruto de sua criatividade com traços e sprays. Agora, a trupe se prepara para cruzar o oceano e replicar a parceria, desta vez injetando colorido na fachada do Hospital Robert Debré e do portal de Pré Saint-Gervais, na periferia de Paris.

Na verdade, o projeto começou a ser gestado na Cidade-Luz, por iniciativa de Claire Prat-Marca, diretora artística e criadora da galeria de arte contemporânea Prat-Marca. Ela, que já residiu na capital mineira, com a qual mantém um laço de afeto, já vinha há tempos pensando em uma parceria envolvendo a street art. Corria o ano de 2016 e, ao se enfronhar sobre a cena belo-horizontina do grafite, pelo Google, Claire chegou ao nome de Dagson Silva. A escolha não foi aleatória – o moço há tempos já desenvolvia um trabalho que se coadunava justamente com o viés ativista que ela buscava, ministrando oficinas a jovens da região onde mora, o Morro das Pedras. 

Contatos devidamente feitos, os dois começaram a listar outros nomes para compor a equipe, que, a essa altura, também já abarcava o nome de uma conterrânea de Claire, a curadora de exposições e produtora cultural Marion Lespagnol. “Eu sugeria alguns nomes, elas descobriam outros... E, ao fim, ela selecionou dentro da premissa de pessoas que associam a prática da arte com o ativismo”, conta Dagson.

Do lado francês, foram convidados Jo Ber, Poes e Zdey. Já do lado de cá, Priscila Amoni, Criola e Gabriel Nast, além de Dagson.

Conjunto/solo

Os trabalhos foram iniciados no Jardim Alvorada, mais precisamente na Escola Estadual Professora Benvinda de Carvalho. “Inicialmente, visitamos a escola e, de sala em sala, apresentamos a proposta a alunos e professores”, rememora Dagson, acrescentando que, de início, a diretriz foi não propor um tema (para as pinturas). “Mas, depois, acabamos pensando em fazer zonas de fronteiras entre um muro e outro, e acabou que ficaram muito bacanas, pois apontam um encontro de estilos. O resultado ficou harmônico, ainda que o estilo de cada um esteja ali, representado”, pontua Dagson. 

Logo na sequência, a trupe partiu para as ruelas e travessas da Vila Antena, no Morro das Pedras. Lá, a orientação foi distinta. “Cada um escolheu o seu muro e os artistas foram naturalmente se dispersando. Claro, a gente se encontrava na hora do almoço e no final do dia, mas ficou uma coisa mais fluida”, conta o artista.

Sim, Dagson reconhece que de início, houve desconfiança por parte da comunidade. “Teve choque, teve desconfiança, acanhamento... Algumas pessoas ficaram apreensivas”, relata. A impressão, no entanto, logo seria desfeita. 

Mudando a engrenagem do cotidiano

O artista Dagson Silva conta que, após esse primeiro momento de impacto, a população do Morro das Pedras não só encampou o projeto, como começou a pedir que os grafiteiros colorissem com sua arte os muros de suas casas e entorno. 

Claro, não deu para atender a todos. “Mas, ao fim, funcionou exatamente como queríamos, ou seja, estabelecendo um diálogo com a comunidade. Tinha a senhora que levava cafezinho para a gente, outra, uma bandeja de pão de queijo... Também recebíamos grupos de jovens, teve até visita guiada – na verdade, criou-se um circuito”, comemora Dagson, que, como morador da região, confessa que a empreitada teve um valor “super simbólico e forte” para ele.

“Foi muito emocionante, uma vivência muito rica. Entendo que o projeto de fato movimentou o aglomerado. Desde sempre estivemos empenhados em nos articulamos com o público, que ouviu as nossas propostas de mudanças. Vamos dizer que o projeto trocou a engrenagem do cotidiano, ali”, pondera ele, que, curiosamente, já há algum tempo está residindo na França, o outro país envolvido no projeto. 

Aluno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele foi aprovado para fazer parte de sua graduação em artes visuais em Marselha, de onde veio para a etapa belo-horizontina da atividade e para onde embarcou na última quinta-feira. 

Já o grupo francês aproveitou a passagem pelo Estado para conhecer, nos últimos dias, a cidade histórica de Ouro Preto e o Instituto Inhotim, em Brumadinho. Na próxima sexta (29), as partes voltam a se encontrar em, com seus sprays, para darem início à segunda etapa do projeto.