BRASÍLIA - A postura do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), causou um grau de surpresa ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não a integrantes do Centrão, que observam a repetição do comportamento de outros nomes que comandaram a chamada “Casa do Povo”.
Foi Motta um dos principais articuladores de uma derrota histórica de Lula neste terceiro mandato do petista: a derrubada, pelo Congresso Nacional, do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para inflar a arrecadação em R$ 20 bilhões neste ano e cumprir a meta fiscal.
A pauta, no fim, foi judicializada. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu as decisões e chamou uma audiência da conciliação que colocará os envolvidos frente a frente em busca de um acordo – medida que deu tanto a Motta, quanto ao Palácio do Planalto a sensação de vitória momentânea.
Integrantes do Centrão veem em Motta retomar uma conduta semelhante à de Arthur Lira (PP-AL), seu antecessor, e principalmente de Eduardo Cunha, que foi presidente da Câmara dos Deputados entre fevereiro de 2015 e julho de 2016. Isso, por defender interesses do próprio grupo político em que está inserido.
Motta, inclusive, estava em seu primeiro mandato e fez parte da “tropa de choque” de Cunha na época de poder do ex-presidente da Câmara. Dez anos depois, ainda não se descolou da ligação que teve com Cunha.
Nos bastidores, a avaliação é que, no fim, Motta usou o IOF para alavancar o debate sobre a reforma administrativa, pauta polêmica e que está longe de ter consenso, mas que quer tornar a bandeira de sua gestão.
O presidente da Câmara pregou o discurso de que o país precisa de reformas estruturais que gerem impacto fiscal, e criou um grupo de trabalho para propor um texto que será debatido no Congresso Nacional. A reforma administrativa, que reestrutura o funcionalismo público, foi proposta pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2020, mas não avançou.
O governo Lula esperava uma relação mais pacificada com Motta, especialmente pela relação que o presidente da Câmara tem com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. Mas, no fim, saiu acusando uma quebra de acordo de Motta na disputa pelo IOF, já que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou negociar um pacote alternativo antes da derrubada do decreto.
Pesa nesse cenário a aproximação das eleições de 2026. O Centrão tem histórico de se alinhar com quem estiver em melhor posição política, e Motta é do Republicanos, partido que tenta posicionar o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, como possível candidato da direita pela ausência de Bolsonaro, inelegível por decisão da Justiça.
Se Motta subir no palanque de um candidato presidencial da direita (como fez Arthur Lira em 2022 com Bolsonaro), deve aumentar o clima de tensão com o governo Lula, que atua no campo político oposto. Se isso acontecer, porém, será somente a partir do início da campanha, em agosto de 2026.
Deve ter impacto nessa costura a popularidade de Lula, que enfrenta queda. A situação gerou uma crise no ano pré-eleitoral, com o PT alimentando campanhas para tentar retomar competitividade. Pesa, ainda, a falta de possíveis candidatos da esquerda além de Lula, enquanto a direita soma nomes com viabilidade eleitoral, ainda que venham a dividir votos.