Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica o abandono progressivo de licitações públicas de concessões de saneamento que adotam o critério “técnica e preço”. O levantamento aponta que, a partir de 2019, os Tribunais de Contas Estaduais passaram a se opor ao modelo. Dos 42 processos que tratam do tema nos últimos 13 anos, entre 2010 e 2023, 43% das decisões foram contra a adoção deste critério, e, do restante, em 57% dos casos houve problemas com a subjetividade dos critérios de “melhor técnica”. Conforme o estudo, o critério em foco poderia impor a obrigação dos governos municipais de analisarem “extensas propostas de engenharia com base em critérios subjetivos e de difícil comparação entre concorrentes”.
“Esse sistema aumenta a insegurança jurídica dos projetos, afastando concorrentes qualificados e diminui incentivos para que as propostas de preços sejam mais agressivas, pois o critério de ‘melhor técnica’, muitas vezes, tem um peso maior do que o critério de desconto da tarifa a ser cobrada dos usuários”, diz a universidade em nota. Os tribunais ainda têm entendido que selecionar um concessionário que irá operar os serviços de saneamento de um município com base no critério de “melhor técnica” traria riscos à integridade, prejuízo à transparência e impede descontos “mais agressivos” nas tarifas cobradas aos usuários ou preços mais vantajosos para a administração pública.
Dois exemplos, em Minas Gerais, demonstram como o modelo poderia prejudicar usuários dos serviços de saneamento. Em Nanuque, no Leste do Estado, a empresa que apresentou o maior desconto na tarifa a ser cobrada da população foi derrotada na licitação porque não tinha a “melhor proposta técnica”, ainda que o grupo já tivesse operado em municípios muito maiores. Em Extrema, no Sul de Minas Gerais, uma situação parecida ocorreu. Com mais de 90 critérios a serem analisados, o desenho da licitação teria tirado o peso do maior desconto na tarifa e valorizou a melhor proposta técnica. O edital da cidade está na mira do Ministério Público Estadual, que já ajuizou uma ação civil pública contra a prefeitura. A Unidade Técnica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais também considerou que o Edital está direcionado, mas a Prefeitura decidiu seguir em frente.
Na cidade, o atual prefeito, João Batista da Silva (União Brasil), não conseguiu eleger um sucessor e perdeu a eleição para Fabricio Bergamin (PDT). Apesar da derrota e após ter o processo barrado várias vezes na Justiça, o atual Prefeito decidiu realizar a licitação nos dois últimos meses de mandato. O prazo para entrega das propostas é no próximo dia 18. O chefe do Executivo vai contratar uma serviço por 30 anos, sem que o novo prefeito ou a nova Câmara Municipal possam opinar na decisão.
Subjetividade
O tópico mais recorrente nas decisões analisadas pela FGV é a “subjetividade dos parâmetros de avaliação da proposta técnica”. Os TCEs deveriam rever o ponto devido à falta de objetividade nas licitações, o que atrapalharia a competitividade dos certames. No total, foram identificadas 25 decisões em que a questão foi discutida. “A conclusão é que critérios subjetivos podem também abrir espaço para favorecimentos indevidos de licitantes com menor capacidade técnica e financeira, mas com maior trânsito político”, completa a universidade.
Crescimento dos investimentos
Desde que o novo Marco Legal do Saneamento foi aprovado e sancionado, a procura por concessões de serviços de água e esgoto aumentou significativamente, aponta a universidade. A FGV constatou que, entre 2020 e 2021, foram investidos cerca de R$ 68 bilhões em 18 projetos que atendem aproximadamente 31 milhões de pessoas em todo o país.
“Esse volume de investimentos exige uma padronização nos processos de licitação que contemple maior segurança jurídica e menor margem para subjetividade, visando a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, e para a população, e a isonomia e justa competição entre os licitantes”, define a FGV.
Pesquisa
A análise da universidade se debruçou sobre bases de processos de todos os 27 Tribunais de Contas Estaduais e chegou a um horizonte de 42 processos que tratavam da temática. As análises contemplaram os Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.