O histórico das pesquisas feitas pelo ex-policial militar Ronnie Lessa embola a cronologia relatada em sua delação premiada sobre o planejamento da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) a mando, segundo ele, dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão.
Lessa atribuiu todas as pesquisas feitas sobre pessoas ligadas ao PSOL a pedidos do ex-policial militar Edmilson de Oliveira, o Macalé, ordenados pelos Brazão. Os levantamentos, porém, foram feitos desde 2012 e, em alguns casos, contrariam datas-chave do planejamento do crime indicadas pela Polícia Federal e pelo ex-PM na delação.
O delator falou por duas vezes sobre as consultas na plataforma. Na primeira vez, afirmou que Macalé pedia informações sobre "personagens ligados ao PSOL" mesmo antes de consultá-lo sobre a possibilidade de matar Marielle. "Eles demonstravam um interesse diferenciado por essas pessoas do PSOL. O Macalé já devia ter conversado sobre qualquer tipo de represália em cima deles, porque o Macalé perguntou se teria como levantar [informações], e eu disse que tinha. 'Tem como saber onde mora?'. [Respondia] 'Tem'. Mas também não passou disso", disse Lessa em seu primeiro depoimento, em 9 de agosto do ano passado.
De acordo com a PF, o histórico de consultas feitas sobre nomes do PSOL reforça a suspeita de que um acúmulo de desavenças entre o partido e os Brazão culminaram no assassinato de Marielle. O nome do PSOL mais pesquisado por Lessa foi do ex-vereador Renato Cinco, cuja primeira pesquisa remonta a julho de 2012. O organizador da Marcha da Maconha no Rio de Janeiro foi objeto de outros três levantamentos (outubro/13, março/15 e março/18).
Além dele, o ex-PM pesquisou os nomes de Marcelo Freixo (abril/15), Jean Wyllys (abril/15), Marcelo Yuka (abril/15), a filha de Freixo (janeiro/17), Chico Alencar (maio/17) e Orlando Zaccone (janeiro/18).
A maior parte das pesquisas, porém, ocorreu antes do acúmulo de desavenças entre PSOL e a família Brazão. Até o fim de abril de 2015, o único episódio indicado pela PF foi a citação de Domingos no relatório da CPI das Milícias, presidida por Freixo.
O segundo episódio descrito pela PF ocorreria em abril de 2015 com a nomeação de Domingos para o TCE (Tribunal de Contas do Estado), questionada pelo PSOL na Justiça. O conflito, porém, ocorreu após as pesquisas realizadas por Lessa naquele mês.
O ex-PM se estendeu mais sobre a cronologia dos levantamentos num segundo depoimento, em outubro do ano passado. Ele foi marcado porque os investigadores pretendiam esclarecer o que consideravam inconsistências no relato feito dois meses antes.
Nesse momento Lessa afirma que os pedidos eram feitos por Macalé por orientação "dos padrinhos", em referência aos irmãos os Brazão, segundo o ex-PM.
"Até o dia que ele, falou: 'Pô, cara, tem uma proposta boa para a gente ficar rico'. Eu falei: 'Em relação a que?' 'Sobre aquelas pessoas'. Eu achei na época que fosse uma das pessoas que ele já teria falado. Só que eu não consegui ver exatamente como se fica rico com a morte do Renato Cinco", afirmou ele.
Nesse momento, Lessa diz que Macalé cogitou assassinar o atual presidente da Embratur. "Em 2017, ele veio com o assunto relacionado com Marcelo Freixo. Ele perguntou: 'Tem como levantar?'. Eu falei. 'Tem'. Aí a ficha foi caindo. Eu achei que ali fosse a tal missão que ele tava preparando que a gente ia ficar milionário", disse o ex-PM.
Em janeiro daquele ano Lessa pesquisou dados da filha do ex-deputado. O delator, porém, afirma ter demovido Macalé da ideia em razão da repercussão que o homicídio poderia gerar. "Ali foi talvez a nossa primeira entrada com relação a crime. Por quê? Porque na verdade as outras pessoas que ele perguntava ele nunca falou em matar. Ele só perguntava se tinha como levantar." (Ítalo Nogueira/Folhapress)