O Governo de Minas Gerais anunciou que deu início ao processo de cancelamento do acordo de leniência com as empresas Andrade Gutierrez Engenharia S.A. e Andrade Gutierrez Investimento em Engenharia S.A., ambas envolvidas na construção da Cidade Administrativa. O anúncio foi feito pelo vice-governador Mateus Simões em coletiva de imprensa na manhã desta quarta-feira (10).

O acordo foi firmado em agosto de 2021 e previa o pagamento de R$ 128,9 milhões aos cofres públicos em 32 parcelas trimestrais de R$ 4 milhões cada. A empresa, entretanto, segundo o governo, teria pago apenas uma parcela, a de março de 2023, que devido ao atraso e acréscimo de juros, chegou a R$ 5,12 milhões. Com isso, ainda não foram pagas cinco parcelas: as de junho, setembro e dezembro de 2023, e de março e junho de 2024.

Com o cancelamento do acordo, agora, o governo quer que o pagamento dos R$ 128,9 milhões seja feito de forma integral e sem parcelamento. Uma multa e juros pelo atraso das cinco parcelas será cobrado, mas Mateus Simões afirmou que ainda será feito um cálculo para definir o valor extra.

“Elas estão em atraso já há um ano, isso além de consistir num descumprimento claro do que tinha sido acordado atrás, também é má-fé. As empresas assumiram o compromisso de pagamento de R$ 128 milhões de reais a título de compensação pelos danos que foram causados ao estado de Minas Gerais em virtude das práticas de conluio e de superfaturamento nas obras da construção da Cidade Administrativa”, destacou o vice-governador Mateus Simões durante coletiva de imprensa.

Ainda conforme o Estado, a notificação foi emitida após quase oito meses de tentativas de renegociação entre as empresas e as autoridades signatárias do acordo – Controladoria-Geral do Estado (CGE) e Advocacia-Geral do Estado (AGE), com interveniência do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). No período de 6 de outubro de 2023 a 7 de junho de 2024, foram discutidas possíveis revisões das cláusulas e condições da dívida, mas o governo acabou decidindo rejeitar a revisão, exigindo a quitação imediata das parcelas em aberto.

“O governo do Estado foi muito claro no sentido de que não admitiria desconto no valor do pagamento do prejuízo causado aos mineiros. Infelizmente, depois de um ano de negociação, nós continuamos no mesmo ponto. A empresa não pode celebrar uma leniência, confessar a prática dos crimes, acertar os pagamentos e simplesmente dizer depois que está indisposta para cumprir com o pagamento. Temos mantido conversas continuas com a empresa, que vem dizendo que estão com dificuldade de fazer o cumprimento das parcelas do cronograma ajustado, mas não apresentam cronograma alternativo”. 

Consequências do cancelamento do acordo

O não cumprimento do acordo de leniência pode acarretar diversas penalidades, como a perda integral dos benefícios pactuados, o vencimento antecipado e integral da dívida e a proibição de contratar com o poder público. A expectativa do governo de Minas Gerais é concluir a rescisão do acordo em até 90 dias.

Segundo Mateus Simões, o Estado ainda não decidiu se vai judicializar a questão para exigir o pagamento integral do valor devido pelas empresas do grupo Andrade Gutierrez, e disse que isso vai depender das conversas com a construtora nos próximos meses.

“Nós vamos tomar as providências com a maior velocidade possível para que a gente possa garantir o recebimento do valor integral, porque a leniência estar sendo cancelada afasta qualquer possibilidade de parcelamento, então nós estamos falando agora da cobrança integral. A empresa tem patrimônio e vai sofrer, se não fizer o pagamento voluntário no final desse procedimento, as penhoras necessárias judicialmente, seja com bloqueio de contas, seja com a penhora de bens por leilão, posteriormente”. 

O vice-governador aproveitou a coletiva para fazer uma promessa de que, caso a Andrade Gutierrez pague integralmente o valor de mais de R$ 128 milhões, o Estado irá entregar oito novas estações de transporte metropolitano ao longo da MG-10, na região Norte de Belo Horizonte com o dinheiro.

O que diz a Andrade Gutierrez?

O grupo Andrade Gutierrez afirmou, por meio de nota, que “estava em tratativas de renegociação do acordo de leniência” e que a empresa teria aceitado “todas as condições impostas pela Comissão Técnica”. Entretanto, o grupo acusa o Estado de ter não acolher as tratativas e decidir encerrar o acordo “sem justificativa”.

“A empresa reforça ainda que, além de ter sido a primeira a celebrar acordo com a Controladoria Geral do Estado de Minas Gerais, foi a única empresa, dentre as envolvidas nos temas da leniência com o governo de Minas, que realizou pagamentos do acordo. Outras empresas envolvidas nos mesmos assuntos sequer celebraram algum tipo de acordo. Fatos que, por si só, já ferem o princípio básico de tratamento isonômico que o Governo deveria dar para o setor”, destacou a nota.

Acordo de leniência

A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção, prevê a possibilidade de acordo de leniência com empresas que cometem atos lesivos contra a administração pública. Esse acordo permite a redução ou até a isenção de sanções, desde que a empresa colabore efetivamente com as investigações e o processo administrativo.

As fraudes em licitações que levaram ao acordo de leniência das empresas do grupo Andrade Gutierrez ocorreram entre 2004 e 2011, envolvendo obras da Cidade Administrativa e da Cemig. Os valores a serem ressarcidos incluem pagamentos a título de ressarcimento ao erário, multa civil da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992) e dano moral coletivo, em decorrência de ilícitos praticados no âmbito de contratos envolvendo recursos do Tesouro estadual.

Enquanto o acordo de leniência tem relação às fraudes nos contratos da obra, o governo de Minas Gerais também pretende acionar o Justiça para responsabilizar a Andrade Gutierrez pelos problemas de infraestrutura que levaram os 52 elevadores dos edifícios Minas e Gerais a serem interditados. A expectativa é que a empresa ressacie o Estado pelos custos com o reparo.

“Agora há a se discutir também sobre indenização acerca dos danos dessa obra. Então são duas ações de responsabilização contra as mesmas empresas em virtude da mesma obra. Uma porque combinaram o superfaturamento, outra porque construíram sem a qualidade necessária ou cuidado técnico necessário. Quem estava preocupado em fazer superfaturamento e combinação de preço para participar de licitação, não estava muito preocupado com a qualidade dos prédios, basta ver o que aconteceu”.

Acordos de leniência de Minas Gerais:

Desde 2021, o governo de Minas já firmou cinco acordos de leniências, totalizando R$ 406,2 milhões. Em 2023, dois contratos já foram completamente quitados. As empresas Moinho S.A. e Passos Maia Energética S.A. devolveram ao Estado R$ 32,2 milhões.

Andrade Gutierrez - 2021

  • Valor: R$ 128.931.033,66
  • Crime: fraudes em licitações em obras da Cemig, da Codemig e da construção da Cidade Administrativa entre 2004 e 2011
  • Pagamento: 32 parcelas, de R$ 4 milhões a cada três meses
  • Multa: em caso de atraso no pagamento, a empreiteira será multada em R$ 2.700 por dia. O acordo será rompido caso o atraso chegue a mais de 90 dias
  • Início pagamento: março de 2023
  • Atrasos: a empresa pagou, apenas, a primeira parcela em março de 2023. Com o atraso das outras cinco parcelas, o governo decidiu cancelar o acordo.

Coesa (ex-OAS) - 2022

  • Valor: R$ 42,7 milhões
  • Crime: fraude em licitações na construção da Cidade Administrativa e em obras da Cemig, entre 2008 e 2010
  • Pagamento: o valor será pago em 19 parcelas anuais, o valor das parcelas não foi divulgado no contrato, está sob sigilo
  • Multa: Em caso de inadimplemento ou descumprimento do acordo, os benefícios serão integralmente perdidos, a execução da dívida será antecipada, entre outras penalidades
  • Início pagamento: 2024

OEC S.A. e Novonor S.A (ex-Odebrecht) - 2022

  • Valor: R$ 202,4 milhões
  • Crime: fraudes na licitação na construção da Cidade Administrativa, entre 2008 e 2010, e em contratos da Cemig referentes ao programa Luz para Todos, de 2004 a 2011
  • Pagamento: ao longo de 21 anos
  • Multa: Em caso de inadimplemento ou descumprimento do acordo, os benefícios serão integralmente perdidos, a execução da dívida será antecipada, entre outras penalidades.
  • Início pagamento: 2024

Moinho S.A. - 2023

  • Valor: R$ 9.280.277,42
  • Crime: Os atos ilícitos foram praticados pelo antigo administrador da empresa entre 2011 e 2016 e estão relacionados a contratos de compra e venda de energia elétrica celebrados com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
  • Pagamento: Parcela única
  • Multa: o não pagamento do acordo no prazo implicará em multa moratória de 2% ao mês sobre o saldo devedor atualizado pela Selic. Caso o atraso exceda 60 dias, o acordo poderá ser rompido
  • Pagamento: Março 2023

Passos Maia Energética S.A. - 2023

  • Valor: R$ 22.927.994,67
  • Crime: Os atos ilícitos foram praticados pelo antigo administrador da empresa entre 2011 e 2016 e estão relacionados a contratos de compra e venda de energia elétrica celebrados com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
  • Pagamento: Parcela única
  • Multa: o não pagamento do acordo no prazo implicará em multa moratória de 2% ao mês sobre o saldo devedor atualizado pela Selic. Caso o atraso exceda 60 dias, o acordo poderá ser rompido
  • Pagamento: Março 2023