As mulheres ficaram fora do comando das Câmaras Municipais das 20 cidades com mais habitantes em Minas Gerais, aponta levantamento realizado por O TEMPO. Apesar de 19 municípios analisados terem elegido uma ou mais vereadoras para a atual legislatura – em Ibirité não há representante feminina –, nenhuma delas conseguiu chegar à presidência das Casas.
O levantamento revela ainda que nove das 20 Casas consultadas também não elegeu nenhuma vereadora para ocupar algum posto na Mesa Diretora, órgão responsável por dirigir os trabalhos legislativos e administrativos das Câmaras Municipais.
A baixa representatividade feminina no comando dos Legislativos reflete um cenário nacional. Em 2024, nenhuma das capitais brasileiras tinha uma mulher no comando de suas Casas. Agora, no início do biênio 2025-2026, somente as Câmaras de Porto Alegre (RS) e Cuiabá (MT) elegeram vereadoras para a presidência – nesta última, as quatro cadeiras da Mesa Diretora foram ocupadas por mulheres, fato inédito no município mato-grossense.
Doutora em direito público, Maria Fernanda Pires avalia que a falta de vereadoras no comando das Câmaras Municipais reflete a desigualdade de gênero na política e reduz o incentivo para que outras mulheres ingressem na política. “Temos poucas mulheres eleitas vereadoras (elas ocupam 18% das cadeiras em todo o país), o que reduz a chance de ocuparem cargos de comando. As estruturas partidárias também são desfavoráveis, com lideranças que, muitas vezes, favorecem homens para postos estratégicos”, considera a especialista.
Maria Fernanda pondera ainda que “a predominância masculina pode perpetuar práticas políticas pouco inclusivas” no Legislativo. A visão é compartilhada por Débora Thomé, doutora em ciência política e coautora do livro “Candidatas: Os Primeiros Passos das Mulheres na Política no Brasil”. Segundo ela, “quanto maior o poder, menor é a probabilidade de ter uma mulher mandando ali”. Segundo ela, “partidos continuam a não abrir espaço para as mulheres aumentarem sua capacidade de influência na política”, o que as mantém distantes dos altos cargos nas esferas de poder.
Pioneira
Marcada na história da política de Belo Horizonte como a primeira vereadora a presidir a Câmara da capital mineira, entre 2009 e 2011, Luzia Ferreira – que hoje, aos 73 anos, é presidente municipal do Cidadania em BH – confirma a percepção das especialistas. “Mulheres têm mais dificuldade de transitar nesse meio da chamada ‘articulação política’, que muitas vezes exige fazer acordos, conversar com partidos, conversar com outras instâncias, com quem tem influência”. Para a ex-vereadora de BH, “isso explica essa ausência de mulheres até como candidatas para o posto máximo dentro de uma Câmara Municipal”
Cenário prejudica a democracia
A falta de representatividade feminina nos Legislativos municipais, inclusive nos cargos de comando, traz prejuízo à democracia, alerta a advogada Isabela Damasceno, especialista em direito eleitoral. “A Câmara Municipal é a Casa da cidadania, a porta de entrada do cidadão comum na política. É onde ele vê seus anseios de primeira ordem representados, da vida doméstica, da vida privada. É muito triste essa baixa de representatividade feminina, porque nós, mulheres, somos a grande maioria deste país e não vemos isso refletido nas Casas”, lamenta a advogada.
Minientrevista
Como a primeira mulher da história a presidir a Câmara Municipal de BH, como a senhora avalia a baixa representatividade feminina na chefia dos Legislativos municipais?
Acho que o problema começa antes, no processo eleitoral. As mulheres ainda enfrentam muitas barreiras para se viabilizarem eleitoralmente.
A primeira delas diz respeito à dificuldade de disponibilidade para incorporar mais uma atividade, a política, porque a mulher continua trabalhando com os cuidados da casa e dos filhos.
A segunda é que a mulher tem ainda pouca inserção nos partidos políticos, em postos de comando, onde são decididas as prioridades de aplicação dos recursos do Fundo Partidário. Como tem a cota de gênero, as mulheres são incentivadas a entrar em uma chapa, mas não se viabilizam financeiramente para ter sucesso eleitoral. Muitas vezes, a gente se decepciona que uma Câmara elegeu vereadoras numa legislatura, na outra não elegeu nenhuma, mostrando também uma dificuldade das mulheres de permanecer por longos períodos, como a gente vê de muitos mandatários masculinos.
Uma vez dentro das Câmaras, há uma resistência explícita à possibilidade de mulheres assumirem a chefia do Legislativo e o comando das comissões mais importantes?
Aí fica mais difícil ainda, porque é um espaço dominado pelos homens, que têm uma história de fazer articulações, enquanto a mulher ainda está engatinhando nessa articulação. As mulheres têm mais dificuldade de transitar nesse meio, que muitas vezes exige fazer acordos, conversar com partidos e com outras instâncias, com quem tem influência. Isso explica essa ausência de mulheres até como candidatas ao posto máximo de uma Câmara de Vereadores. Mas tenho certeza que vamos cada vez mais conquistar esse espaço.