A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) resolveu estender, por mais um ano, e sem licitação, o contrato com o Consórcio Pampulha Viva para realização de limpeza e manutenção da lagoa da Pampulha, a um custo anual de R$ 22,5 milhões. A decisão dá continuidade à prestação de serviços que, apesar de não ter sido diretamente investigada pela CPI da Câmara Municipal que apurou irregularidades na limpeza do patrimônio, entrou na mira de vereadores no último ano por ter ocorrido com inexigibilidade de licitação.
Conforme o termo aditivo publicado em 1º de março pela Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi) no “Diário Oficial do Município”, o contrato que se encerraria no mês passado passou a vigorar até 28 de fevereiro de 2026. A reportagem não localizou os responsáveis pelo consórcio para comentar a renovação.
Embora o contrato em questão tenha sido assinado em fevereiro de 2024, o Consórcio Pampulha Viva realiza a limpeza da lagoa desde 2015. Um dos contratos firmados com a prefeitura, em 2018, foi alvo de duas CPIs na Câmara por suspeita de irregularidades. Os parlamentares defenderam que, apesar do custo milionário para manter o serviço, não foi constatada redução significativa de poluição na lagoa da Pampulha.
Foi ainda durante os trabalhos da CPI, no início de 2024, que a prefeitura voltou a contratar o consórcio com inexigibilidade de licitação, o que resultou em novos questionamentos na Câmara. À reportagem, a PBH argumentou, em nota, que a empresa é “a única autorizada pelo Ibama a usar o Phoslock, produto considerado pela equipe técnica do município como o eficaz para o tratamento da água da lagoa da Pampulha”.
A PBH afirmou ainda que a legislação vigente permite a renovação do contrato, cujo caráter é continuado. Além disso, declarou que monitora a qualidade da água e que os resultados “têm atendido às metas contratuais”.
Dados da prefeitura apontam que, por dia, a empresa retira entre 5 e 10 toneladas de lixo flutuante do espelho d’água. Entretanto, conforme constatado por O TEMPO após visita à lagoa na última sexta-feira (14 de março), o trabalho não tem sido suficiente para amenizar a degradação do patrimônio. Apesar do contrato de limpeza que consome, em média, R$ 1,8 milhão por mês, não é preciso andar muito para avistar lixo boiando ou espalhado pela orla da lagoa.
Além disso, a equipe de O TEMPO conseguiu caminhar por um extenso trecho que, ao menos conforme o projeto original da lagoa, deveria estar alagado. A área conhecida como “enseada do Zoológico” foi completamente assoreada, o que fez desaparecerem cerca de 17 hectares do espelho d’água.
A situação é alvo de ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), já que, segundo o órgão, a atuação de três empresas contratadas para desassorear e limpar o espelho d’água, entre 2013 e 2021, terminou de aterrar a enseada ao lançar indevidamente no local o sedimento que era retirado do fundo da lagoa.
Em uma das últimas movimentações da ação, que tramita na Justiça desde julho de 2024, o MPF pediu que o município de Belo Horizonte também se torne réu no processo para garantir que, se condenadas, as empresas sejam fiscalizadas para executar a reparação do bem, tombado como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco.
Relator de CPI critica o município
Relator da CPI da Lagoa da Pampulha – concluída em julho de 2024 com recomendação de que 11 pessoas fossem indiciadas por irregularidades no contrato de manutenção e limpeza da água –, o vereador Braulio Lara (Novo) critica a persistência da Prefeitura de BH em manter a mesma empresa à frente do serviço. Para ele, a gestão municipal não tem tomado ações efetivas para a proteção do patrimônio.
“Aquela empresa foi contratada com 50% a mais do que o preço que vinha anteriormente, e a prefeitura continua conivente; não vemos o resultado”, condena o parlamentar.
Conforme o vereador, a Câmara Municipal deve realizar novas audiências públicas para acompanhar as ações prometidas para a lagoa, inclusive em relação ao acordo firmado entre os municípios de Contagem e BH e a Copasa, em 2022, para a despoluição da água.
À reportagem, a prefeitura informou que a Copasa continua atuando nos serviços de esgotamento sanitário na bacia de contribuição da lagoa, em atendimento ao compromisso que havia sido firmado.
Moradores lamentam poluição
Residente da Pampulha há 50 anos e integrante de uma associação de moradores da região, o militar reformado Matuzail Martins defende que, por ser patrimônio cultural mundial, a lagoa da Pampulha carece de mais cuidados. Ele aponta a necessidade de solução para a degradação do espelho d’água e da orla.
“Se o espelho d’água da lagoa da Pampulha faz parte da lei de tombamento dela, qualquer ação que interfira, como essa que diminuiu cerca de 10%, especificamente falando da enseada do Zoológico, é também uma agressão à norma, ou seja, cometeram crimes”, aponta Martins.
O morador, testemunha do desaparecimento gradual de partes do espelho d’água, provocado pelo assoreamento contínuo da lagoa, declara que não quer apontar culpados e diz que “o mais importante é tornar o espaço de novo um espaço agradável, um espaço que traga qualidade de vida às pessoas”.
Morador do bairro São José, também na Pampulha, desde 1971, Marcelo Ferreira enxerga uma diferença “gritante” do que é a lagoa da Pampulha hoje em comparação com a época em que ele se mudou para a região. Ele relata que desde a década de 1970 há tentativas de despoluição do curso d’água, porém as ações parecem ter tido um efeito contrário, considerando que, segundo ele, a situação só tem piorado desde então.
“Entra partido, sai partido, entra prefeito, e sai prefeito, mas continuam as mesmas empresas por trás (da manutenção do espelho d’água), provocando e permitindo esse desastre”, lamenta Ferreira. “A lagoa está secando e será destruída, enquanto o dinheiro público continua saindo”, completa o morador.