Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de dezembro do ano passado, determinou que 434 certidões de óbito de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar no Brasil, catalogadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), sejam retificadas. Em Minas Gerais, 66 certidões serão corrigidas. 


As retificações vêm sendo feitas desde 2017, de maneira administrativa, mas apenas dez documentos foram corrigidos nos últimos sete anos. A resolução do CNJ busca acelerar esse processo, que será encabeçado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), responsável por entregar os documentos às vítimas das famílias. “Estamos dando um passo de cura, de reafirmar a democracia, de insistir que todos têm direito à verdade e todas as instituições democráticas precisam ser defendidas”, disse a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, sobre a decisão. 


O novo documento deverá informar que o óbito não decorreu de causa natural, mas sim de forma violenta, causada pelo Estado. A informação já consta na nova certidão de óbito de Rubens Paiva, retificada em janeiro deste ano, corrigindo a versão de 1996. 


Direito à memória


 De acordo com o advogado Felipe Moreira, os mortos e desaparecidos durante a ditadura já tiveram a condição de vítimas reconhecidas pela CNV. Na prática, a retificação das certidões não traz mudanças significativas, considerando que o direito de reparação e indenizações, por exemplo, já existia. “A medida é mais um passo para que a sociedade brasileira promova um acerto de contas com o passado sombrio que tivemos e, por meio dessas recordações, que a gente impeça que esse tipo de morte violenta promovida pelo Estado volte a ocorrer.” Conforme o assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do MDHC, Nilmário Miranda, o CNJ deu um prazo para que os cartórios façam as retificações. Segundo ele, órgãos oficiais, como assembleias legislativas, universidades e prefeituras já manifestaram interesse em realizar cerimônias para a devolução das certidões. “Para mostrar para as famílias que o Brasil deve reconhecer a história, a memória e a verdade do que aconteceu com seus parentes”, diz. Durante sete anos, Nilmário fez parte da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), criada em 1995 com o objetivo de reconhecer como mortas as pessoas desaparecidas pela ditadura.


Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva, também integrava a comissão. As atividades do grupo foram interrompidas em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e retomadas em agosto de 2024. O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) cita a cena do filme “Ainda Estou Aqui” em que Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres, exibe a certidão de óbito do marido morto. “Aquela cena, acho que teve um impacto muito grande. Acho que o filme conseguiu, de forma até doce, contar essa história tão pesada e triste e sensibilizar a todos”, diz.


Quem foi Rubens Paiva?

Nascido em Santos em 1929, Rubens Beyrodt Paiva foi engenheiro civil e político. Em 1962, foi eleito deputado federal, mas teve o mandato cassado pelo regime militar, instaurado em 1964. Ele se exilou na Europa, mas voltou poucos meses depois para morar no Rio de Janeiro com a família. Em 1971, foi preso e morto pelos militares. O motivo da perseguição seriam cartas de exilados políticos endereçadas a ele. Os agentes suspeitaram que ele teria envolvimento com o guerrilheiro Carlos Lamarca, um dos homens mais procurados pelo regime militar. Durante anos, a esposa de Rubens, Eunice Paiva, lutou pela responsabilização do Estado pela morte dele. A história foi contada no livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva (um dos cinco filhos do casal), que deu origem ao filme.