A mistura da votação de projetos de “batismo” de ruas com criação de datas comemorativas e textos de teor ideológico cria hoje um cenário de “campanha eleitoral antecipada” dentro da Câmara Municipal de Belo Horizonte, conforme avaliação de especialistas ouvidos por O TEMPO.
Entre os textos considerados ideológicos em tramitação na Casa atualmente estão um que reconhece o potencial educativo dos espaços religiosos de matrizes africanas, apresentado pela bancada da esquerda, e outro que cria o Dia do Atirador Desportivo, da direita, por exemplo. Entre aqueles que já se tornaram lei, surge, por exemplo um que dispõe sobre a leitura bíblica como recurso paradidático nas escolas de BH.
Na avaliação do mestre em ciência política Lucas Zandona, os vereadores da Câmara de BH já estariam com os olhos voltados para as eleições de 2026. De fato, um levantamento feito por O TEMPO há duas semanas revelou que, dos 41 parlamentares da capital, 12 admitem ter planos de concorrer a vagas em outras esferas do Legislativo no ano que vem.
“O que nós vemos é justamente uma polarização ideológica entre esquerda e direita, e isso vai ofuscando aqueles que são os problemas reais da sociedade. Os vereadores preocupados em satisfazer essa militância digital começam a buscar likes e a apresentar projetos que estão completamente dissociados dos anseios da população”, avalia Zandona.
“Seria muito mais prático, por exemplo, a Câmara montar uma comissão para acompanhar a obra da Cristiano Machado, para acompanhar um projeto da avenida Amazonas, mas a gente vê que isso não tem respaldo. O que tem respaldo é, justamente, esse impacto ideológico”, complementa.
O doutor em ciências sociais Robson Sávio Reis Souza pontua que vereadores da direita têm se debruçado, em especial, sobre as pautas de costumes e de base religiosa para atender a grupos conservadores. As temáticas, segundo ele, encontram espaço nas redes sociais, rendendo engajamento. Por outro lado, a esquerda busca responder a esses temas e também usa as plataformas digitais para as mesmas estratégias para fidelizar seu eleitorado.
“Hoje em dia, para se eleger um vereador em Belo Horizonte, basta manter uma base fidelizada de alguma coisa. Isso vai variar de 5 mil a 10 mil eleitores para ter garantido seu mandato. Ampliando um pouco mais essa base, você consegue ser deputado estadual. Então, o custo de alta exposição, polarização, brigas etc. é muito pequeno em relação ao benefício que os vereadores conseguem, que é o mandato, o poder político, a influência e a possibilidade, inclusive, de conseguir outros mandatos”, pontua Souza.
Frente quer combater projetos ‘caça-likes’
Diante das discussões polarizadas na Câmara Municipal de Belo Horizonte, um grupo formado por nove vereadores criou uma frente parlamentar para romper com projetos “caça-likes” que estão sendo apresentados na Casa.
Integram a Frente Voz de BH os vereadores Loíde Gonçalves (MDB), Marcela Trópia (Novo), Cleiton Xavier (MDB), Juninho Los Hermanos (Avante), Maninho Félix (PSD), Helinho da Farmácia (PSD), Lucas Ganem (Podemos), Arruda (Republicanos) e Irlan Melo (Republicanos).
“Trata-se de uma percepção da sociedade que passou a ver a Câmara Municipal como um ringue, onde lacrar e recortar um trecho da fala do seu opositor vale mais que o trânsito parado ou as pessoas dormindo nas ruas”, disse Marcela Trópia, em publicação nas redes sociais. “Não é sobre um lado estar errado e outro certo, é sobre colocar BH de volta no centro do debate. Se de um lado há quem queira bater boca, pois seu eleitorado ‘se sente representado’, há também quem queira construir”, complementou.
Doutor em ciências sociais, Robson Sávio Reis Souza defende que a ideia de criar um bloco político para debater questões que fogem da polarização depende também de uma articulação institucional entre a presidência da Casa e o Poder Executivo, além de uma preocupação com a imagem e a funcionalidade da Câmara.
“Não há, até o presente momento, uma articulação do Legislativo com o Executivo numa pauta propositiva para a cidade. Enquanto isso não acontecer, o que vai prevalecer é quem grita mais, quem mobiliza mais, quem tenta aparecer mais na atividade parlamentar. Por isso, esses grupos mais voltados aos cortes de redes digitais e à criação de guetos altamente fidelizados vão acabar tendo predominância”, argumenta o especialista.
Proposta
A Frente Voz de BH protocolou o primeiro projeto de lei na Câmara na última quarta-feira (25 de junho). A proposta institui o Marco Regulatório da Educação Inclusiva em BH. O texto visa garantir o direito pleno à educação para alunos com deficiência, autismo, altas habilidades e outras condições, como TDAH, dislexia e dislalia,
por exemplo.