A tentativa do governo de Minas de aderir ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) com a União reacendeu a discussão sobre o futuro das estatais mineiras. Empresas como a Cemig e a Copasa voltaram ao centro das disputas entre governo estadual, oposição e sociedade civil, em um debate que envolve a proposta de federalização dos ativos e a possível revogação do referendo, obrigatório para a privatização, em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Nesse cenário, o tema entra na pauta das mobilizações populares. Na última quinta-feira (10/7), manifestantes que ocuparam a Praça 7, em Belo Horizonte, para abordar pautas nacionais, como o fim da escala 6x1 e a taxação de bilionários, também debateram a privatização das estatais mineiras.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos (Sindágua-MG), Eduardo Pereira, afirma que a presença no ato foi uma forma de mobilização contra a privatização da Cemig e da Copasa e contra a PEC que coloca fim ao referendo. Ele diz que há uma preocupação da população e lembra que, na Assembleia, a oposição conseguiu obstruir a votação da PEC na Constituição de Legislação e Justiça.
“Temos uma preocupação com relação à privatização das estatais não por questão ideológica, mas porque sabemos que não dá certo”, ressalta. “O governo Zema não mentiu que tem intenção de privatizar Cemig e Copasa. Ele tentou diversas vezes. Agora, está tentando usar o Propag como pauta de privatização, com a PEC que tira direito do povo para se manifestar e diminui o quórum de votação na Assembleia”, explica.
Participação popular
No portal da Assembleia Legislativa, onde é possível opinar sobre as pautas em tramitação na Casa, mais de 12 mil pessoas se manifestaram em relação à PEC que coloca fim ao referendo. Destas, 11.726 se colocaram contra (até a tarde de sexta, 11 de julho), enquanto 315 são a favor.
Conforme o coordenador geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), Emerson Andrade, a ideia é buscar outras formas de participação da população no tópico da privatização das estatais e do Propag.
Ele reforça que a PEC que retira a necessidade do referendo não deveria fazer parte das discussões do Propag, considerando que abre brechas para a privatização das empresas sem que a população seja consultada.
“A população de Minas tem um direito garantido pela Constituição Estadual, não acho correto e democrático que o governo retire. É legítimo o debate proposto, mas achamos que é antidemocrático e, talvez, inconstitucional propor a retirada de um direito”, diz.
Entrega seria ‘contrassenso’
Para Emerson Andrade, do Sindieletro-MG, é um contrassenso “entregar” uma empresa como a Cemig, que, em 2024, gerou um lucro líquido de R$ 7,1 bilhões, e a Copasa, que teve lucro líquido de R$ 1,32 bilhão.
“Entendemos que empresas pertencem ao povo de Minas e assim deveriam continuar. Não deveriam ser moeda de troca para pagamento da dívida. A Assembleia aprovou a federalização da Codemig, cujo patrimônio dá o volume suficiente para garantir adesão ao Propag”.
O deputado federal Rogério Correia (PT) foi vice-líder do governo de Itamar Franco na ALMG e relator, em 2001, da PEC que instituiu o referendo popular para os casos de privatização de estatais. Conforme o parlamentar, o objetivo era justamente impedir que as empresas fossem alvos de uma “onda privatista” no início do milênio. Ele lembra que a desestatização das companhias foi barrada anteriormente e acredita que a ideia, assim como a retirada do referendo, não deve avançar mais uma vez.
Para Correia, trazer a pauta da privatização das estatais mineiras às discussões que englobam o cenário nacional, como o que ocorreu em BH na quinta-feira, é um caminho que se soma à atuação da oposição na Assembleia para segurar as matérias.
Governo ficaria livre de pressão por cargos
A federalização das estatais seria “excelente” para o governo de Minas, mas “catastrófica” para a União, na avaliação do professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG Mauro Sayar Ferreira. Isso porque, segundo ele, as empresas públicas acabam sendo foco de pressões políticas para indicações de cargos, por exemplo, o que acaba distanciando-as de uma administração “mais eficiente”.
“O governo de Minas ficar livre disso e ainda conseguir abater a dívida é um baita negócio. Para o governo federal, é exatamente o oposto”, diz. “Toda vez que você tem pressão política, você distancia as empresas de uma administração mais eficiente, mais profissional”.
Precificação
Conforme o professor, os argumentos para a não privatização das estatais envolvendo o lucro que as empresas ganham são muitas vezes enganosos, considerando que elas são precificadas de acordo com o que se espera de um lucro futuro.
“O valor de venda já reflete as expectativas de lucro dela. Na verdade, o que o governo está fazendo quando ele privatiza é antecipar receitas que teria lá na frente para hoje”.
A Cemig e a Copasa, juntamente com a Codemig e a Empresa Mineira de Comunicação (EMC), lideram o rol de ativos que o governo Zema quer entregar à União por meio do Propag. Caso não ocorra a federalização, a intenção é que a Cemig e a Copasa sejam privatizadas.