Denúncias sobre a utilização de candidaturas fictícias para fraudar as cotas de gênero nas eleições de 2024 abalam as Câmaras Municipais de ao menos 12 cidades mineiras. Sentenças proferidas por diferentes instâncias da Justiça Eleitoral até a primeira semana deste mês já ordenaram a cassação de ao menos 15 vereadores em oito municípios.
Em outras duas cidades (Carmo do Rio Claro e Ipatinga) há risco de mudança na composição do Legislativo devido à possibilidade de alteração dos cálculos para distribuição de vagas nas Casas. Até agora, decisões judiciais reconheceram fraude às cotas de gênero em 12 municípios mineiros nas eleições de 2024. Porém, em dois deles (Itajubá e Timóteo), a recontagem de votos não impactou a composição das Câmaras.
Os números, compilados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) a pedido de O TEMPO, podem ser ainda maiores, pois o levantamento considera apenas casos que chegaram à assessoria de imprensa do órgão em razão de julgamento na Corte ou por meio de demandas recebidas de veículos de comunicação.
As decisões, com exceção de Itajubá e Timóteo, podem ainda ser alvos de recursos. Mesmo assim, as condenações proferidas até agora sinalizam que, além de ferir a regra que busca ampliar a participação feminina na política – ao exigir pelo menos 30% de candidatas nas eleições proporcionais –, o registro de laranjas para fraudar a cota de gênero pode ter impacto direto no desenho das Casas legislativas.
A “dança das cadeiras” ocorre porque, se confirmada a fraude, todos os votos obtidos pela chapa condenada são anulados. Com isso, vereadores eleitos pelas siglas infratoras são cassados, e os quocientes eleitoral e partidário são recalculados para avaliar a necessidade de redistribuição das vagas nas Câmaras.
Cassação
Somente Varginha, no Sul de Minas, já teve a ordem de cassação de vereadores referendada pelo TRE-MG. O tribunal entendeu haver indícios suficientes que comprovam que o PRD registrou uma candidata-laranja para atingir o percentual mínimo de mulheres na chapa de vereadores.
Com isso, a Corte manteve a decisão de primeira instância e determinou a anulação dos votos obtidos pelo PRD e a cassação dos vereadores Fernando Guedes Oliveira e Lucas Gabriel Ribeiro. Como há possibilidade de recurso, os parlamentares ainda não foram afastados do cargo.
Nos demais municípios, a cassação das chapas e de vereadores foi determinada em primeira instância, e os parlamentares impactados também permanecem nas cadeiras até que sejam esgotadas as possibilidades de recursos.
Entre os casos, chama a atenção o impacto das ações judiciais no Legislativo de Santos Dumont (Zona da Mata). Até agora, sentenças em primeira instância reconheceram candidatas-laranja nas chapas registradas pelo PSD, pelo PRD e pelo PP – cada sigla elegeu um vereador na cidade.
As sentenças preveem que todos sejam cassados, o que inclui o presidente da Câmara, Sebastião Antônio da Silva, o Tião da Van (PP). Procurados por O TEMPO, a Câmara de Santos Dumont e o chefe do Legislativo não se manifestaram.
Crime limita inclusão de mulheres
A fraude à cota de gênero – regra da Lei das Eleições instituída para garantir maior representatividade feminina na política em um cenário historicamente dominado por homens – “atenta diretamente contra o espírito da norma, que é de inclusão e pluralidade”, alerta o advogado Adriano Cardoso, especialista em direito eleitoral.
Ele explica que partidos políticos ou federações dispostos a fraudar a cota de gênero registram em suas chapas a candidatura de mulheres que não têm intenção ou chance de se eleger para atingir o percentual mínimo de 30% de postulantes de cada sexo exigido por lei na disputa de eleições proporcionais.
“Na prática, as chamadas ‘candidaturas-laranja’ desviam recursos públicos de campanha e manipulam o resultado das eleições, e isso gera uma distorção no processo democrático. Em vez de ampliar a participação feminina na política, essas fraudes perpetuam a exclusão e corroem a legitimidade das eleições”, analisa Cardoso.
Infração reduz confiança na política
A cassação de chapas e de vereadores em decorrência de fraude, seja ela às cotas de gênero ou a outra norma eleitoral, cria um cenário de instabilidade e amplia a sensação de desconfiança em relação à política, dizem especialistas.
“As fraudes geram instabilidade institucional nas Câmaras Municipais, afetam a continuidade dos trabalhos legislativos e comprometem a representatividade popular. Os eleitores são diretamente lesados porque acreditaram estar escolhendo representantes legítimos, mas acabam tendo seus votos invalidados ou redirecionados em razão da fraude. Essa insegurança gera desconfiança no sistema político e deslegitima as instituições democráticas”, analisa o advogado Adriano Cardoso.
“O prejuízo ao processo democrático é muito grande. Além de o eleitor perder o voto, a cassação dos registros de candidatura cria uma desestabilização do cenário político local muito grande”, complementa o advogado Lucas Neves, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
Advogado defende mais rigor
A morosidade dos julgamentos – que, devido ao rito processual, podem levar meses e até anos para serem concluídos – é vista pelo advogado Adriano Cardoso como um fator que fragiliza a efetividade da punição a partidos e pessoas envolvidos nas fraudes às cotas de gênero. “Quando a decisão só é executada no fim do mandato, o efeito prático da sanção se perde. Isso pode até incentivar novas fraudes, pois os envolvidos percebem que podem exercer seus mandatos quase integralmente, mesmo com prática ilícita”, afirma.
Para Cardoso, a erradicação da fraude passa por três princípios: fiscalização mais rigorosa das chapas; ações dentro dos partidos para incentivo à real participação feminina; e ações educativas sobre o voto consciente.
Saiba mais
Inelegibilidade. Além da anulação de voto e cassações, os envolvidos nas fraudes à cota de gênero, incluindo as candidatas-laranja, ficam inelegíveis por oito anos.
Histórico. Candidaturas fictícias na eleição de 2020 levaram à cassação de 38 vereadores em 20 cidades, segundo o TRE. Em BH, dois foram cassados. Neste ano, ainda não há caso na capital.