A construtora Andrade Gutierrez ainda não pagou a primeira parcela do acordo de leniência firmado com o governo do Estado em 2021. O depósito de R$ 4 milhões deveria ter acontecido em 31 de março. Com o atraso, a construtora já acumula uma multa de, aproximadamente, R$ 37,8 mil, sem considerara a correção pela Selic e demais variáveis.
Segundo o contrato, a empresa terá que ressarcir os cofres públicos, até 2030, R$ 128,9 milhões, pagos em 32 parcelas iguais, como forma de reparação aos prejuízos causados ao Estado. A construtora é acusada de fraudes em licitações em obras da Cemig, da Codemig e da construção da Cidade Administrativa entre 2004 e 2011. A Andrade não se pronunciou.
Conforme o acordo, o atraso do primeiro pagamento, no entanto, não significa a imediata rescisão do contrato. Segundo o documento firmado em agosto de 2021, o depósito pode ser feito em até 90 dias mediante ao pagamento de uma multa de R$ 2.700 por dia de atraso, corrigido pela Selic. Apenas após esse período, o contrato poderá ser rescindido.
Entre as penalidades previstas, caso isso ocorra, a empresa perde todos os benefícios pactuados pelo acordo, além de ter que efetuar o pagamento integral da dívida. A empresa fica proibida de firmar novos contratos com o poder público por 5 anos. O não cumprimento do acordo implica ainda no prosseguimento das ações das infrações cometidas pela empresa na Justiça. Os envolvidos também serão incluídos no Cadastro Nacional de Empresas Punidas e podem ficar impedidos de firmar novos acordos de leniência por três anos.
Brando. Segundo especialistas, as penalidades previstas no acordo são brandas. Para o diretor executivo de estudos e pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, a multa fixada é baixa e acaba incentivando o não pagamento em dia.
“O acordo de leniência com previsão de pagamento de multa com juros é normal em todos os contratos, o que me chama a atenção é o valor da multa em si, porque em contratos de valores muito altos, esse valor acaba não sendo nada e você acaba tendo o incentivo ao atraso, porque acaba valendo a pena atrasar. A própria empresa pega esse valor que ela tem que pagar, deixa esse dinheiro aplicado e o retorno acaba sendo maior que o valor que ela teria que pagar”, pontua.
Ainda segundo ele, a prática de atrasos também é comum em acordos de leniência devido a situação financeira das empresas. “Muitas vezes a empresa está em dificuldade, então, ela vai escolher a dívida que pesa mais, que tem mais encargos”, completou.
O mestre em direito público Fabrício Souza Duarte, acrescenta que a fixação das multas nos acordos é livre entre as partes. No entanto, ele pondera que valores baixos dissimulam o cumprimento dos prazos. “Acordos de leniências são sempre bem-vindos para facilitar a recuperação do dano ao erário, porque ações judiciais tendem a se arrastar devido a sua complexidade de provas, é bom para as empresas e para o Estado, mas esse acordo precisa ser efetivo”, analisa.
Governo diz estar atento aos prazos
Os acordos de leniência firmados pelo Estado estão sob sigilo, mas, segundo o governo, parte do dinheiro será destinada aos entes lesados. O Estado não divulga mais detalhes sobre quanto cada parte irá arrecadar, no entanto, a Controladoria Geral do Estado (CGE) garante que cada ente lesado vai receber conforme o percentual do dano.
Já o valor da multa civil de cada acordo é endereçado ao Tesouro Estadual. Com isso, o governo poderá utilizar o montante em quaisquer secretarias e ações.
Em nota, o governo informou que está atento aos prazos e disse manter conversas frequentes com as empresas colaboradoras.
Questionada sobre as multas, o Estado afirmou que a metodologia utilizada para cálculo da multa é adotada pelas controladorias do país e advocacias-gerais e são ratificadas pelo Ministério Público. “A correção da multa utiliza a taxa Selic, que é o índice oficial do governo”, informou em nota.
Procurada pela reportagem de O TEMPO, a Andrade Gutierrez informou, por meio de sua assessoria, que não vai se pronunciar sobre o caso.
Acordos de leniência
Nos últimos dois anos, o governo de Minas já firmou cinco acordos de leniências, totalizando R$ 406,2 milhões. Neste ano, dois contratos já foram completamente quitados. As empresas Moinho S.A. e Passos Maia Energética S.A. devolveram ao Estado R$ 32,2 milhões.
As negociações começaram em junho de 2016. Segundo o Estado, os atos ilícitos foram praticados por antigos administradores das empresas entre 2011 e 2016 e estão relacionados a contratos de compra e venda de energia elétrica celebrados com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
Veja quais termos já foram firmados em Minas Gerais
2021
- Andrade Gutierrez
Valor: R$ 128.931.033,66
Crime: fraudes em licitações em obras da Cemig, da Codemig e da construção da Cidade Administrativa entre 2004 e 2011
Pagamento: 32 parcelas, de R$ 4 milhões a cada três meses
Multa: em caso de atraso no pagamento, a empreiteira será multada em R$ 2.700 por dia. O acordo será rompido caso o atraso chegue a mais de 90 dias
Início pagamento: março de 2023
2022
- Coesa (ex-OAS)
Valor: R$ 42,7 milhões
Crime: fraude em licitações na construção da Cidade Administrativa e em obras da Cemig, entre 2008 e 2010
Pagamento: o valor será pago em 19 parcelas anuais, o valor das parcelas não foi divulgado no contrato, está sob sigilo
Multa: Em caso de inadimplemento ou descumprimento do acordo, os benefícios serão integralmente perdidos, a execução da dívida será antecipada, entre outras penalidades
Início pagamento: 2024
- OEC S.A. e Novonor S.A (ex-Odebrecht)
Valor: R$ 202,4 milhões
Crime: fraudes na licitação na construção da Cidade Administrativa, entre 2008 e 2010, e em contratos da Cemig referentes ao programa Luz para Todos, de 2004 a 2011
Pagamento: ao longo de 21 anos
Multa: Em caso de inadimplemento ou descumprimento do acordo, os benefícios serão integralmente perdidos, a execução da dívida será antecipada, entre outras penalidades.
Início pagamento: 2024
2023:
- Moinho S.A.
Valor: R$9.280.277,42
Crime: Os atos ilícitos foram praticados pelo antigo administrador da empresa entre 2011 e 2016 e estão relacionados a contratos de compra e venda de energia elétrica celebrados com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
Pagamento: Parcela única
Multa: o não pagamento do acordo no prazo implicará em multa moratória de 2% ao mês sobre o saldo devedor atualizado pela Selic. Caso o atraso exceda 60 dias, o acordo poderá ser rompido
Pagamento: Março 2023
- Passos Maia Energética S.A.
Valor: R$22.927.994,67
Crime: Os atos ilícitos foram praticados pelo antigo administrador da empresa entre 2011 e 2016 e estão relacionados a contratos de compra e venda de energia elétrica celebrados com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
Pagamento: Parcela única
Multa: o não pagamento do acordo no prazo implicará em multa moratória de 2% ao mês sobre o saldo devedor atualizado pela Selic. Caso o atraso exceda 60 dias, o acordo poderá ser rompido
Pagamento: Março 2023
Fonte: Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais (CGE)