As concessões do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) anunciadas pelo Tesouro Nacional levaram a bancada do PT a defender o compromisso do governador Romeu Zema (Novo) com a remodelagem esboçada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para enfim discutir a adesão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Uma das principais bandeiras de Zema - senão a principal -, a proposta está parada na ALMG desde que encaminhada, ainda em 2019.
Até então, a bancada fazia oposição ferrenha à adesão, defendida por Zema como a única alternativa para equacionar a dívida de R$ 163 bilhões do Estado com a União, ao RRF, desenhado pelo governo Michel Temer (MDB) e, depois, encampado pelo governo Jair Bolsonaro (PL). “Nós estamos abertos ao diálogo”, afirma a deputada Leninha (PT). “Isso não significa que nós vamos conceder ou vamos nos reposicionar em relação às questões que nós já colocamos”, observa a 1ª vice-presidente da ALMG.
Entre elas, está a resistência às privatizações da Cemig, da Copasa e da Codemig. Caso as propostas do Tesouro sejam aprovadas pelo Congresso, a alienação da participação em estatais deixará de ser obrigatória para ser opcional. “Se o governador vier com a conversa, como está falando, de mudar a Constituição para tirar o referendo sobre a privatização da Cemig, ver com essa posição de privatização da Cemig, a gente fecha as portas (para o diálogo). Na política, tudo é negociação”, acrescenta Leninha.
A intenção de encaminhar uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) à ALMG para pôr fim à exigência constitucional do referendo popular foi admitida por Zema a O TEMPO. De acordo com o governador, a quebra do referendo, ao qual é condicionada a privatização da Cemig e da Copasa, seria o primeiro passo para as privatizações avançarem. “Ela (a mudança na Constituição) é necessária, porque fazer um referendo é algo impossível operacionalmente”, alegou Zema.
No dia seguinte à flexibilização anunciada pelo Tesouro, o presidente estadual do PT, Cristiano Silveira (PT), já havia dito que, a partir de agora, com a diminuição das medidas antes exigidas, a oposição estaria aberta a discutir a adesão ao RRF. “O modelo (do RRF) de Temer e Bolsonaro, defendido por Zema, impunha grandes punições aos estados. (...) Agora, os gastos públicos não ficarão congelados”, apontou, na oportunidade, o deputado.
Apesar de ter elogiado as alterações propostas, o fim da obrigatoriedade de privatizações, por exemplo, não foi lembrado pelo secretário de Fazenda de Zema, Gustavo Barbosa, após o anúncio do Tesouro. Ao celebrar a adesão "mais simples", Barbosa destacou apenas a utilização do resultado fiscal como metas para os estados, a extensão do prazo de participação de nove para 12 anos e a permissão para a tomada de crédito para pagamento das dívidas mais caras e em moeda estrangeira.
Codemig. Inclusive, a proposta de privatização da Codemig, única enviada por Zema à ALMG até hoje, é oferecida como contrapartida à adesão ao RRF para atender o critério da alienação da participação do Estado em estatais ainda em vigor. Arquivado por força do regimento, o Projeto de Lei 1.203/2019 ficou em banho-maria durante toda a última legislatura até avançar somente após um acordo costurado no apagar das luzes pelo governo e o então presidente Agostinho Patrus.
Já o deputado Professor Cleiton (PV) defende que, antes de qualquer discussão ser iniciada, a oposição a Zema precisa ter acesso à minuta do projeto de lei complementar que será encaminhado pelo Palácio do Planalto ao Congresso. “Ninguém teve acesso à minuta do projeto de lei complementar ainda”, pontua o deputado. “Não tem como a gente afirmar que a oposição vai dar um aceno ao governo Zema sobre o RRF enquanto os termos do projeto de lei complementar não estiverem claros.”
Alinhada a Cleiton, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) observa que é necessário que as mudanças anunciadas pelo Tesouro sejam aprovadas pelo Congresso. “Até que isso efetivamente aconteça, o que vale é o que existe, que é uma proposta real em que o Estado continua tendo que fazer todas as entregas (para aderir ao RRF), ou seja, penalizar os serviços públicos que chegam para a nossa população. Até que as mudanças se transformem em uma realidade, a gente tem que trabalhar com o que existe”, afirma.
Ana Paula acrescenta que as concessões propostas pelo Tesouro, se aprovadas integralmente, melhoram, de fato, o que está hoje em vigência, mas que, enquanto bloco, a oposição vai precisar ter uma discussão profunda. “O bloco é composto por mais partidos. É a Rede e o PSOL em uma federação, mais o PT, o PCdoB e o PV em outra. Acho que aí vai valer a pena um esforço concentrado de olhares de todas essas vertentes partidárias para a gente consolidar uma posição de bloco”, pondera.
A propósito, Cleiton aponta que, hoje, o Estado teria despesas com pessoal abaixo dos 60% da receita corrente líquida, assim como restos a pagar superiores ao saldo de caixa, que são critérios para a adesão ao RRF. “Essa é uma questão fundamental e crucial. Não adianta o Estado querer fazer a adesão ao RRF com o discurso de 2019. A pergunta fundamental: o projeto de lei complementar vai vir também com a modificação dos termos de adesão?”, questiona o deputado.
Antes mesmo das concessões anunciadas, Zema já havia encaminhado ao Tesouro o Plano de Recuperação Fiscal (PRF), que é o documento de referência das medidas de ajuste fiscal a serem adotadas se a adesão ao RRF for aprovada. Agora, o PRF está sob análise. Questionado em que pé está a avaliação, o Ministério da Fazenda não respondeu até a publicação desta reportagem.