A possível anulação do contrato com as empresas do Transporte Coletivo de Belo Horizonte, proposta pelo presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, Gabriel Azevedo (sem partido), pode não ter validade jurídica. Isso é o que avaliam especialistas em direito público que alegam que não há respaldo legal para que o legislativo municipal tome essa medida. Na análise dos juristas, somente o próprio Executivo ou o poder Judiciário após ser provocado por uma ação civil poderiam determinar o cancelamento do contrato.
A avaliação é que caso a Câmara Municipal leve adiante essa medida, ela seria facilmente revertida na Justiça. Nesta quarta-feira (5/4), Gabriel Azevedo anunciou que irá iniciar diligências na Casa para a sustação dos contratos de concessão do transporte público de BH.
Segundo o vereador, o processo será iniciado depois de uma recomendação do Ministério Público de Contas (MPC). Em um ofício enviado ao parlamentar, o procurador Glaydson Santo Soprani Massaria, do MPC, solicitou que a Câmara "promova a imediata sustação dos contratos". O pedido foi feito com base em investigações do órgão que apontam a "ausência de competição real" na concorrência pública das empresas no acordo firmado em 2008 com o Executivo. De acordo com a denúncia, uma única empresa foi contratada para elaborar todas as propostas técnicas das concessionárias de ônibus.
Na avaliação do especialista em direito público, Carlos Barbosa, a CMBH não tem respaldo legal para invalidar contratos firmados entre a prefeitura. "A Câmara tem poder de fiscalização, mas não de cancelamento de contratos. O correto seria a Casa ingressar com uma ação judicial. A CMBH faz controle de legalidade das contratações, mas qualquer tipo de elemento que identifique como irregular, tem que abrir CPI para investigar. Porém, o poder de cancelar contratos da prefeitura só é possível por meio de ação judicial que o juiz tome a decisão de invalidar o contrato", afirmou.
Para o advogado especialista em direito público, Paulo Henrique Studart, é inevitável que o assunto vá para o judiciário uma vez que a competência da CMBH sobre o assunto pode ser questionada tanto pela prefeitura quanto pelas empresas de ônibus. "Existe a previsão na Constituição Federal que o Congresso Nacional pode suspender eventuais contratos do poder Executivo quando cabível, claro que cabe ao legislativo e ao Ministério Público fiscalizar, mas em Belo Horizonte não existe previsão na lei orgânica a suspensão de contratos (pelo legislativo). Por isso, pode existir controvérsias de entendimentos, pois não está explícito. A atuação da Câmara nesses casos não é clara. O poder judiciário vai acabar dizendo o que será feito", pontuou.
O professor e consultor legislativo, Alexandre Bossi Queiroz, pondera ainda que a atuação da CMBH em anulação de contratos costuma ser feita somente após o Ministério Público de Contas (MPC) pedir a suspensão para a prefeitura e o Executivo não acatar a solicitação. Na última semana, o órgão auxiliar do Tribunal de Contas do Estado (TCE) deu prazo de 30 dias para que a PBH cancelasse o contrato. "Se o MP considerar que há procedimentos irregulares no contrato ele pode pedir a suspensão para o Executivo, caso a prefeitura não suspenda, a Câmara teria competência para isso. O próprio MP pode entrar com pedidos de ilegalidade de contrato na justiça também", explicou.
Questionado, o vereador Gabriel Azevedo afirmou que “a Câmara Municipal seguirá a argumentação do MP de Contas". De acordo com o documento do MPC, a CMBH tem competência para realizar a sustação dos contratos com base no artigo 71, da Constituição Federal, que prevê que, "no caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis".
“O MP de Contas acaba de nos entregar uma ideia inédita, baseada em uma decisão do governo federal da União em que o Congresso Nacional agiu para sustar um contrato na década de 90. Tudo isso está amparado pela constituição. Como somos federação, isso desce para o município e encontra amparo na lei orgânica. Esse processo pode ser feito pela CMBH e para fazer tudo dentro da legalidade e do regimento, o procurador da casa foi notificado bem como presidente da comissão de mobilidade, que é onde isso vai transcorrer. Vamos respeitar o Estado Democrático de Direito, não vamos fazer nada de maneira açodada, mas o processo começou", afirmou.
Segundo o vereador, os detalhes sobre o rito serão divulgados na próxima quinta-feira (13/4), quando acontece a próxima reunião de Mobilidade Urbana, Indústria, Comércio e Serviços. "Não vamos esperar o dia 2 de maio, o processo tem início agora. Eu quero tranquilizar a população no sentido que os vereadores que aqui estão, estão impedindo uma novela de continuar. Porque, se tudo seguir como está planejado, em dezembro vem outra novidade, vem mais aumento (de passagem), sem nenhuma melhora. Nós estamos preocupados com a qualidade", completou.
"O prejudicado é o cidadão"
O integrante do movimento Tarifa Zero BH, André Veloso, acredita que quem sairá perdendo entre a disputa entre as empresas de ônibus, a prefeitura e a Câmara Municipal será o cidadão. Nesta quarta-feira, o presidente da CMBH, Gabriel Azevedo, propôs algumas sugestões no projeto de lei da prefeitura que pede o aval dos vereadores para conceder um novo subsídio de cerca de R$ 500 milhões para as empresas de ônibus na capital.
Entre as propostas, a CMBH sugeriu tarifa zero nos micro-ônibus que atendem vilas e favelas de Belo Horizonte, passe livre estudantil integral, auxílio-transporte de R$ 200 por mês para pessoas em busca de emprego, mulheres vítimas de violência doméstica e pacientes em tratamento oncológico no SUS, além de uma espécie de vale-transporte da saúde.
"Os empresários fizeram seu movimento, a prefeitura e a Câmara também. Os empresários vão pressionar novamente, retirar quadro de horários, vão alegar que não tem recursos e vão cortar viagens. Dentro desse cabo de guerra da CMBH, prefeitura e Setra quem está perdendo é o usuário. A gente pede uma solução rápida, conciliada e que construa bases para algo definitivo", analisou o ativista que acredita que as propostas da CMBH podem beneficiar a população. Ele também avalia que a proposta de subsídio da PBH pode ser benéfica se houver de fato melhorias para o usuário.
"As propostas apresentadas melhoram a mobilidade das pessoas, a questão toda é que existe um impasse com as empresas de ônibus que também ocorre porque a prefeitura não assume a postura de enfrentar o poder econômico e político delas. A sociedade precisa que esse poder diminua para não ficarmos reféns de alguns empresários que deterioram o serviço".
Outro lado
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que o Ministério Público de Contas "não detém competência para emitir parecer ou recomendação externa ao próprio Tribunal de Contas". O Executivo não informou, no entanto, qual será a decisão do município, se irá acatar ou não o pedido do órgão de anulação dos contratos com as empresas.
A reportagem de O TEMPO questionou também o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) e o procurador Glaydson Santo Soprani Massaria, responsável pelo pedido, e aguarda um posicionamento.
Procurado, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) não se manifestou.
Leia a nota completa da Prefeitura de Belo Horizonte
"O Executivo sempre esteve à disposição dos vereadores para debater o transporte público na capital, como, por exemplo, na reunião realizada na última sexta-feira, 31, na qual todos os detalhes sobre o PL foram apresentados e discutidos com os vereadores presentes.
É importante esclarecer que o projeto seguiu rigorosamente o inciso III do artigo 2° da Lei 11.458, de 2023 para o cálculo do custo de referência do sistema. No projeto encaminhado não há proposta de mudança do uso do método da ANTP, como descrito no item 1 na Informação Técnica da Sumob 006, que acompanhou a Mensagem nº 4. O cálculo considerou ainda uma majoração da frota em pelo menos 241 veículos e um aumento na produção quilométrica ao equivalente a pelo menos 1% por mês, alcançando 10% no mês de dezembro, o que cumpre o parágrafo 8 do artigo 5° da Lei 11.458 de 2023, cujo texto também não é objeto de alteração no Projeto de Lei. A mesma Lei 11.458 é clara no parágrafo 3° do artigo 1° que os valores arrecadados pela tarifa serão controlados de forma online por verificador independente."