O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) vai lançar em março uma ferramenta em seu site que promete dar transparência às descaracterizações de barragens a montante em Minas. A extinção dessas represas, consideradas as de maior risco de colapso por especialistas, é um passo obrigatório para as mineradoras, na esteira da Lei Mar de Lama Nunca Mais, aprovada pela Assembleia Legislativa (ALMG) e sancionada pelo governador Romeu Zema (Novo). A ideia é que o site funcione como um cenário objetivo e de fácil compreensão para que o cidadão acompanhe as descaracterizações em curso no Estado.
Na prática, hoje, essas informações estão distantes das comunidades atingidas. Isso, porque a descaracterização, apesar de necessária, requer uma série de cuidados, como a retirada de famílias de suas casas e o impedimento de acesso da população a determinados locais, interditados por conta do trabalho das empresas.
Para levar os dados à população por meio da plataforma, o MPMG contará com informações levantadas por auditorias externas. Conforme a legislação, a promotoria indica essas empresas especializadas às mineradoras, que precisam custear os serviços. A partir daí, uma equipe do próprio Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma) do MP vai compilar os dados e abastecer o painel a ser lançado.
“Essas informações precisam ser cada vez mais publicizadas, para aumentar o controle social dessas estruturas e para que não tenhamos outras tragédias. Com o rompimento de Brumadinho e a aprovação da Lei Mar de Lama Nunca Mais, o sistema de fiscalização foi descortinado. Descobrimos várias bombas-relógio pelo Estado, as barragens a montante. Temos 45 barragens em descaracterização atualmente. A última será a do Complexo de Fábrica (em Congonhas, na região Central), da Vale, que está prevista para (terminar em) 2035. Eram informações tratadas só no âmbito interno das empresas. Agora, serão públicas”, explica o promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira Pinto.
Segundo o promotor, o painel a ser disponibilizado à população ajudará a entender um pouco mais desse processo de “desarmamento das bombas-relógio”. “É um processo que requer um cuidado muito grande do poder público, para que ele seja feito de forma técnica no menor tempo possível, mas com a segurança que requer esse tipo de estrutura. É um desafio grande para o Ministério Público e para a sociedade”, disse Carlos Eduardo, que chefia o braço de meio ambiente do MPMG.
Ainda de acordo com o promotor, protocolos firmados com as empresas obrigam que todas as informações sobre as 45 descaracterizações sejam enviadas ao MPMG pelas auditorias externas e independentes. “Será um acompanhamento mensal. Toda a ferramenta será alimentada com informações oficiais do Ministério Público, conferidas, para dar subsídios para todo o cidadão ter acesso à informação. Também será um canal de comunicação. Teremos espaço para receber denúncias, para que o cidadão também possa conversar com o promotor da sua comarca”, explicou o promotor.
Para além dos dados objetivos sobre as descaracterizações, o cidadão e as organizações de interesse público poderão ter acesso aos documentos técnicos que envolvem esse processo de extinção de barragens a montante. Esses relatórios são mais aprofundados, portanto requerem análise mais minuciosa por especialistas.
Governo de Minas
Em nota, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) informou que a plataforma dará “publicidade ao acompanhamento realizado pelos compromitentes do Termo de Compromisso para Continuidade dos Processos de Descaracterização das Barragens de Montante, firmado com as empresas responsáveis por 40 barragens em Minas”.
Segundo a Feam, após a assinatura do termo, o governo “instituiu um processo de gestão que envolve, entre outras coisas, a manutenção de independência das empresas auditoras e o acompanhamento de todas as cláusulas técnicas do referido termo”.
Também ressaltou que "auxilia no acesso e na consolidação de informações para a plataforma, por meio dos fluxos de acompanhamento do Termo de Compromisso, e que utilizará esse instrumento, quando pertinente, para subsidiar tomadas de decisão".
Especialista aponta riscos no sistema
Apesar dos esforços do Ministério Público, o professor Carlos Barreira Martinez, titular do Instituto de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), faz algumas ressalvas quanto à ferramenta. O especialista diz não ser possível classificar o painel sobre barragens como “bom ou ruim” porque ele não foi lançado ainda, mas indica possíveis problemas.
“De uma forma geral, aumentar a transparência das ações do Estado e das empresas é saudável e pode contribuir para a melhoria do relacionamento entre as empresas, a sociedade e as autoridades”, afirmou Martinez.
“O cuidado que se deve tomar está ligado à forma que essas informações vão ser disponibilizadas, uma vez que são informações técnicas que necessitam de análise por pessoal especializado. Não tenho conhecimento se o MP tem pessoal capacitado para isso e se as informações serão fornecidas em formato de fácil entendimento para a população”, alerta.
Além disso, Martinez teme que a plataforma do Ministério Público tenha problemas de credibilidade, já que os dados são levantados junto a auditorias independentes, não são apurados diretamente pela promotoria. “O MP estará, de certa forma, dando credibilidade aos dados. Não sei dizer se isso será positivo para a imagem do MP, uma vez que ele não conta com pessoal especializado na área e de carreira, que na minha visão deveria ser o responsável pela coleta, interpretação e validação dos dados a serem disponibilizados. Entendo a iniciativa, mas tenho receio que possa ser uma ação que tem potencial de dar ‘dor de cabeça’ para o Ministério Público”, diz.