BRASÍLIA – O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal a determinação de soluções imediatas para uma grave crise humanitária enfrentada pelo povo indígena Awaeté Parakanã, que habita a Terra Indígena Parakanã, localizada nos municípios de Novo Repartimento e Itupiranga, no sudeste do Pará. 

Em ofício enviado na última quarta-feira (20), o MPF detalha a falha no fornecimento de água potável e a paralisação do transporte para escoamento da produção agrícola, situações que colocam em risco a saúde, a subsistência e a própria sobrevivência das comunidades do território indígena.

A situação foi agravada por obras das BR-230 e BR-422. Indígenas dizem que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não cumpriu com as obrigações previstas para concessão do licenciamento ambiental. Entre outras, o órgão havia se comprometido, há mais de oito anos, a construir poços artesianos, mas as obras nunca foram feitas.

As aldeias dependem de um sistema precário e insuficiente de abastecimento de água, com poços artesianos rasos, que secam no período de estiagem, entre junho e novembro. Cada aldeia tem só uma caixa d’água de mil litros. Além disso, parte do sistema de bombas solares que abastece as comunidades está danificada.

Sem opção, os Parakanã consomem água diretamente de igarapés e rios. O MPF alerta que essa água “não possui nenhum tipo de tratamento ou análise, o que a torna impura para consumo humano e contaminada por agentes físicos e biológicos”. Isso já resultou em um aumento de doenças e até na morte de crianças vítimas de diarreia crônica, conforme o MPF.

Essa e outras situações críticas foram relatadas por lideranças indígenas a integrantes do MPF em audiências públicas e inspeções judiciais realizadas pela Justiça Federal nos dias 12 e 13 de agosto nas aldeias Paranatinga, Paranoema, Petitawava, Xanipaywa e Paramao'ona.

Produção sem escoamento 

Paralelamente à crise hídrica, as comunidades enfrentam um severo prejuízo econômico. Um acordo previa que o Dnit forneceria quatro caminhões, 5 mil litros de combustível mensais e motoristas para garantir o escoamento de produtos como açaí, banana, cacau e castanha.

Embora os caminhões tenham sido entregues em junho de 2024, o termo de compromisso que garantia o suporte operacional expirou em 2 de maio de 2025 e não foi renovado. Sem transporte, os indígenas perderam o acesso a mercados mais vantajosos em cidades como Marabá, Belém e Itupiranga, pois não têm como arcar com os custos do frete.

O MPF ilustra o impacto financeiro com o exemplo do açaí. A produção diária de uma aldeia gira em torno de 120 latas. Sem transporte, são obrigados a vender localmente por cerca de R$ 50 a lata, enquanto nos mercados regionais, o valor pode variar de R$ 70 a R$ 100. Isso representa uma perda de arrecadação diária de pelo menos R$ 6 mil por aldeia apenas com esse produto durante a safra.

O MPF calculou o prejuízo total decorrente dos 102 dias de paralisação do serviço (entre 2 de maio e 12 de agosto de 2025), estimando uma perda de R$ 612 mil por aldeia, o que totaliza um montante de R$ 18,9 milhões para o conjunto das 31 comunidades afetadas.

Pedidos do MPF à Justiça – Diante da gravidade e da urgência, o MPF requer que a Justiça determine ao Dnit, de forma imediata:

  • para a água: a distribuição diária de mil litros de água potável via caminhões-pipa para aldeias próximas à BR-230 e sete mil litros semanais para as mais distantes, além da construção emergencial de cisternas e caixas d'água, até que os poços artesianos definitivos sejam construídos;
  • para o transporte: o restabelecimento imediato do serviço de escoamento da produção, com caminhões e motoristas;
  • compensação e multa: a condenação da União e do Dnit ao pagamento da perda estimada em R$ 18,9 milhões e a aplicação de uma multa diária de R$ 6 mil por aldeia em caso de novo descumprimento do fornecimento de transporte.

O MPF encerra a petição reforçando que a ausência de medidas compensatórias efetivas causa não apenas prejuízos à sobrevivência e à saúde física e mental das famílias indígenas, mas também “desagregação social e alterações significativas em seus costumes e modos de vida”, e apela por uma resposta rápida do Judiciário para proteger os direitos fundamentais do povo Parakanã.