Durante o período da “Nova República”, principalmente nos governos de FHC e do PT, tornou-se hábito no país, pela impunidade generalizada – oriunda da ação negativa ou da omissão das autoridades governamentais –, a ocupação de propriedades públicas e privadas, com ou sem o sequestro de pessoas, a greve, inclusive nos serviços ditos essenciais, as interrupções de vias públicas e outros atos que violentam direitos do cidadão e da população ordeira e trabalhadora com o sentido de se enfatizarem protestos ou de se concretizarem reivindicações de determinados segmentos da sociedade.
Nesse tempo, até mesmo o aumento de salários do STF saiu sob ameaça de paralisação total, num grande mau exemplo. Mostrou que este era o país do grito, e não da lei, da autoridade e da Justiça. Esta última teria, e tem, a obrigação de estar diretamente ligada à realidade das dificuldades por que passava – e ainda passa – a maioria da população. Realidade que as ditas elites só se apercebem quando atingidas por suas consequências, principalmente as derivadas da violência. Esquecem-se de que, apesar de novas perspectivas, estamos ainda em cima de um barril de pólvora, cujo estopim é a insatisfação social, no campo e nas cidades, decorrente da pobreza, da miséria, do desemprego, da falta de assistência à saúde, de habitação, de educação, entre outras, e da ausência de perspectivas de melhoras em curto prazo.
Não podemos esconder as periferias das cidades grandes e de porte médio, inchadas e favelizadas, populações vivendo em condições sub-humanas, em lugares onde a autoridade legal é substituída pela marginalidade caracterizada pelo tráfico de drogas, pelo contrabando de armas e pela violência. Não raro, crianças, de 12 a 16 anos, armadas, ganham, por dia, mais do que um trabalhador – que, na maioria, sobrevive com o salário mínimo. Para essas crianças, seus heróis são os bandidos que se destacam pela violência, pelo número de mulheres que possuem e pelas armas poderosas que carregam.
É dentro desse contexto, em que poderosos tudo podem e outros vivem à míngua, que se abre a porteira para que outras classes reivindiquem aumentos até mesmo com a subversão da ordem e da lei, da disciplina e da hierarquia, como já o fizeram várias Polícias Militares (PMs) em governos passados, e ocorrendo, agora, o motim da PM do Ceará.
Embora o policial militar ganhe muito pouco para arriscar sua vida diariamente na proteção do patrimônio público e do particular, exige-se dele honestidade, atitudes heroicas, calma, serenidade e equilíbrio de um psicólogo ou de um diplomata, além de apurado preparo profissional, em todas as ocasiões. Como resultado, temos centenas deles estressados, deprimidos ou alcoólatras, suicidas ou com famílias destruídas, tudo em razão do duro trabalho que exercem e da baixa qualidade de vida.
Porém, não se pode deixar de punir os que transgrediram a lei se vivemos numa democracia e Estado de direito. Não podemos, por terem se amotinado, considerá-los gigantes e corajosos, como, num mau exemplo, o fez o policial coronel comandante da Força Nacional, também originário da PM cearense. Os policiais militares daquele Estado transgrediram a lei, causando inaceitáveis danos à população e à imagem da PM. Mas a culpa maior não é dos amotinados.
A atenuar, foram a isso levados pela falta de formação moral e de preparo profissional adequado, pela ausência de verdadeiros líderes, e não somente chefes. Mas líderes, em todos os escalões que, pelos exemplos, prezassem valores e qualidades inerentes a um verdadeiro policial militar.
Culpados são os comandantes de batalhões e os da força e seus assessores. Não se importaram com a qualidade de vida de seus subordinados e famílias, informando e pressionando o governador do Estado, buscando mudanças. Governador, o comandante de maior responsabilidade pela segurança pública, o chefe maior das polícias do Estado. No caso, um negligente, incapaz de exercer a liderança devida por total incapacidade. Este, também, merece ser adequadamente punido pelos danos causados à imagem da PM, aos seus militares e à população do Estado. Sem dúvida, saudades das Inspetorias Gerais das Polícias Militares (IGPM) e da subordinação das PMs estaduais ao Exército brasileiro.
Há que se lembrar que uma força militarizada, qualquer que seja, não desperta, na população a que serve, orgulho, confiança, admiração e respeito se não houver uma mística que a envolva. E essa mística, sem dúvida, advém do culto de suas tradições e de seus feitos passados, do bem servir e da imagem que a força, no presente, espraia sobre a citada população.