BRASÍLIA – O empresário e ex-deputado federal Sandro Mabel (União Brasil), de 65 anos, tomou posse como prefeito de Goiânia na tarde desta quarta-feira (1º) sem saber se continuará no cargo por muito tempo. Ele enfrenta um processo de cassação da sua chapa. A mesma ação torna o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, seu colega de partido, inelegível por oito anos.
Mabel foi empossado em cerimônia no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Goiás (UFG), ao lado da sua vice, Coronel Cláudia Lira (Avante), 52 anos. Também tomaram posse nos cargos os 37 vereadores eleitos para o mandato de 2025 a 2028. Já a posse da equipe de secretários do novo prefeito será realizada na quinta (2), às 9h, no Palácio Maguito Vilela, sede da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego).
Após mais de 10 anos sem ocupar um cargo público, Sandro Mabel foi eleito prefeito de Goiânia em 27 de outubro. Ele recebeu 353.518 votos, 55,53% dos votos válidos. Foi registrado o comparecimento de 677.881 eleitoras e eleitores (65,8%) às urnas, com 636.572 votos válidos. O total de votos em branco foi de 14.229 (2,1%) e os votos nulos contabilizaram 27.080 (3,99%). O índice de abstenção foi de 34,2% (352.393).
Mabel assume a vaga deixada por Rogério Cruz (Solidariedade), eleito em 2020 como vice-prefeito da chapa de Maguito Vilela (MDB), que morreu sem assumir a prefeitura, em 13 de janeiro de 2020, vítima de uma infecção pulmonar causada pela covid-19. Na eleição de 2024, Cruz ficou no penúltimo lugar, com 3,14% dos votos.
Justiça cassou chapa com base em ação do PL
Já Mabel derrotou no segundo turno Fred Rodrigues (PL), que teve a candidatura alavancada por Jair Bolsonaro (PL), expondo desavenças entre o ex-presidente e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, até então seu aliado. Foi a partir de uma ação do PL que a Justiça Eleitoral de Goiás cassou a chapa de Mabel e tornou Caiado inelegível por oito anos — a sentença não afeta seu atual mandato.
A decisão foi proferida pela juíza Maria Umbelina Zorzetti, que considerou que o governador cometeu abuso político por utilizar o Palácio das Esmeraldas, residência oficial do governador, para sediar dois jantares de apoio a Sandro Mabel, em 7 e 9 de outubro, com lideranças políticas. Mas Mabel e Caiado recorreram da decisão, que não teve efeito imediato, por isso houve a posse nesta quarta-feira. O governador já anunciou que pretender concorrer à Presidência da República em 2026.
Com recurso no processo, a determinação fica suspensa até o fim do julgamento. Caso Mabel seja condenado em todas as instâncias, ao fim do processo pode ser impedido de continuar no cargo. Segundo o artigo 224 do Código Eleitoral, nesse cenário, deverá ser realizada uma nova eleição e, até o fim da nova votação, a gestão do município ficaria sob responsabilidade do presidente da Câmara Municipal de Goiânia.
Sandro Mabel é paulista
Foi Caiado quem convenceu Mabel a voltar a disputar uma eleição. Para tal, ele trocou o Republicanos pelo União Brasil, partido comandado em Goiás por Caiado. Desde então, o governador, que tem bons índices de aprovação no estado, se colocou como o principal cabo eleitoral de Mabel, que havia ficado em segundo lugar no primeiro turno. Mais rico na disputa, declarou um patrimônio de R$ 313,4 milhões à Justiça Eleitoral.
Sandro Antonio Scodro, o Sandro Mabel, não é goianiense nem goiano. Ele nasceu em Ribeirão Preto (SP), em 31 de dezembro de 1958. Ele ficou conhecido como Mabel em homenagem à fábrica de biscoitos fundada por seu pai e um tio, descendentes de italianos, que antes tinham uma padaria no interior de São Paulo.
A Mabel foi fundada em Mococa, em 1954, fabricando rosquinhas de coco. Em 1962, inaugurou seu primeiro parque industrial, em Ribeirão Preto, com o nome oficial de Cipa Industrial de Produtos Alimentares. Em 1974, a Mabel abriu a fábrica de Aparecida de Goiânia (GO), na região metropolitana de Goiânia e, dois anos depois, iniciou a fabricação dos alimentos no Rio de Janeiro.
Em 1984, houve uma divisão administrativa do grupo. Udélio e seu filho Cláudio ficaram administrando a empresa em Ribeirão Preto. Nestore e o filho Sandro – agora eleito prefeito – passaram a cuidar da empresa em Goiás. Em 2011, a Pepsico adquiriu a Mabel por R$ 800 milhões, e, mais tarde, em 2022, a Camil Alimentos comprou a empresa da Pepsico por R$ 158 milhões.
Nessas negociações, Sandro Mabel teve que abrir mão da sua participação no grupo, pois a Pepsi queria comprar 100%. Ele ainda tentou manter uma parte, mas, como os demais sócios aceitaram a proposta da empresa norte-americana, também teve que vender sua parcela no grupo.
Nome da tradicional política goiana
Até então presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), Mabel se licenciou para concorrer pela segunda vez à Prefeitura de Goiânia. Na primeira, há 32 anos, ele perdeu. À época, ele era deputado estadual pelo PMDB e contava com o apoio do governador Iris Rezende, um dos nomes históricos da política goiana, assim como Ronaldo Caiado.
Na disputa pela Prefeitura de Goiânia em 1992, Sandro Mabel foi derrotado por Davi Accorsi, do PT. Curiosamente, Mabel enfrentou – e venceu – em 2024, a filha de seu algoz político dos anos 1990, a deputada federal Adriana Accorsi (PT). Ela ficou em terceiro lugar no primeiro turno.
Ao fim do mandato de deputado estadual, em 1995, Mabel se candidatou a deputado federal, também pelo PMDB. Venceu e foi reeleito outras duas vezes, uma pelo PL, com mandato de 2003 a 2007, e outra pelo PR, de 2007 a 2011.
Na Câmara dos Deputados, foi relator do substitutivo da PEC 74-A, que altera o Sistema Tributário Nacional, por meio da Reforma Tributária. O trabalho foi desenvolvido para simplificar a tributação do país e redistribuir a arrecadação entre União, estados e municípios, desconcentrando o dinheiro público das mãos do governo federal. Mas o projeto sequer foi votado.
Autor do projeto da terceirização do trabalho
Mabel também é o autor do projeto de lei 4330, de 2004 que, segundo os defensores da proposta, visa proteger os trabalhadores terceirizados. No entanto ele divide opiniões, pois permite a terceirização de quaisquer atividades das empresas, ao não definir o que seria atividade fim e atividade meio, e esvazia a responsabilidade da contratante quanto a eventuais inadimplências da prestadora de serviços em relação aos seus empregados.
Pelo projeto de Mabel, os terceirizados poderiam executar atividades fim da empresa, ou seja, a função principal da companhia. Até então, as empresas só podiam terceirizar atividades meio. Por exemplo: uma empresa que produz móveis podia até então terceirizar a limpeza e o serviço de alimentação de seus funcionários, mas não o de montagem da mobília.
Além de liberar a terceirização nas atividades essenciais da empresa, o projeto acaba com a responsabilidade solidária da contratante. Desse modo, se a terceirizada não arcar com as obrigações trabalhistas, a tomadora de serviços pode não ter qualquer responsabilidade pelos trabalhadores que prestavam serviço a ela e nem ser cobrada na Justiça.
Denúncias de corrupção apurada na Lava Jato
A longa trajetória política de Mabel foi usada contra ele e Caiado nos ataques de Bolsonaro e Fred, que repetiram durante a campanha que a eleição do empresário representaria a continuidade da “velha política” no poder goiano. Também usaram contra Mabel acusações de corrupção investigadas no bojo da Lava Jato.
Enquanto era deputado, Mabel teria cobrado R$ 10 milhões de propina da Odebrecht em troca da liberação de uma obra, segundo inquérito autorizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Os delatores da Odebrecht disseram ter destinado R$ 50 milhões a ele e outros três parlamentares para ajudarem a Odebrecht e Andrade Gutierrez a vencerem a licitação da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio e aparar arestas com o governo federal.
Na lista de recebedores do “departamento da propina” da Odebrecht, Mabel era identificado como “Biscoito”. Um executivo da empreiteira que firmou delação à Polícia Federal (PF) disse que os apelidos eram usados para que os funcionários do “baixo clero” da área que fazia os repasses irregulares não ficassem sabendo para quem ia o dinheiro.
Mabel foi assessor de Temer e saiu com avanço de investigação
Já ex-deputado federal, Sandro Mabel foi assessor especial do presidente Michel Temer (MDB), que assumiu o cargo após o impeachment de Dilma Rousseff. Ele era um dos assessores que despachavam do terceiro andar do Palácio do Planalto – mesmo pavimento do gabinete presidencial – e ajudavam o emedebista na interlocução com congressistas e empresários.
O empresário, que havia sido líder do governo na Câmara dos Deputados durante a gestão de Dilma, deixou o governo Temer em maio de 2017, com outros três assessores especiais do então presidente, todos alvos de delações premiadas – José Yunes, Rodrigo Rocha Loures e Tadeu Fillipelli.
Temer chegou a ser incluído na investigação do chamado “Quadrilhão do PMDB”, incluía 11 caciques do partido – que depois de então passou a se chamar MDB. Entre eles também estava Eduardo Cunha, que comandou o impeachment de Dilma quando presidia a Câmara. E Mabel, segundo a PF, era uma pessoa de “confiança de Eduardo Cunha para propor emendas e medidas provisórias”.
Temer e seus principais auxiliares rechaçaram todas as suspeitas levantadas pelos investigadores. Mabel deixou o governo do emedebista após o Ministério Público de Goiás (MPGO) pedir instauração de inquérito para apurar supostos pagamentos ilícitos feitos, em 2010, por ex-executivos da Odebrecht ao então deputado federal.
O Ministério Público Federal (MPF) informou que os ex-executivos da construtora João Antônio Pacífico Ferreira e Ricardo Roth Ferraz de Oliveira relataram pagamentos feitos, a pretexto de doação de campanha, ao empresário que, na ocasião, era candidato a deputado federal. O valor seria de R$ 100 mil, pagos por meio de recursos não contabilizados, mas registrados no sistema Drousys, usado para contabilizar pagamentos em propina da empreiteira.
Supostas fraudes de certificados digitais
Em 2020, quando já presidia a Fieg, Sandro Mabel foi alvo de mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF, durante a realização da operação Tokens, que investigava fraudes em certificados digitais de fiscais e gestores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
De acordo com a PF, ele e outros alvos integravam dois “núcleos”: os falsificadores e os estelionatários. Agiriam em um esquema para beneficiar donos de terras – terceiro e último núcleo – embargadas na região da Amazônia Legal. O prejuízo estimado era de R$ 150 milhões. Mabel tem fazenda em Canabrava do Norte (MT) e foi alvo de mandado em Goiânia.
O empresário, que chegou a responder ação pedindo a cassação do seu mandato na Câmara por causa das denúncias de supostas propinas da Odebrecht, sendo poupado pelos colegas parlamentares, sempre negou qualquer envolvimento nos crimes a ele atribuídos. Também não foi condenado pela Justiça. Chamou de fake news as acusações endossadas pelo MPF e MPGO e lembradas pelo concorrente Fred na campanha de 2024.