CRISES SOMADAS

Conflito entre Bolsonaro e STF atrasa retomada econômica, avaliam especialistas

Em ano eleitoral e com inflação alta, instabilidade política diminui as chances de recuperação da economia, além da geração de emprego e renda

Por Luana Melody Brasil
Publicado em 23 de abril de 2022 | 10:00
 
 
 
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Além dos reflexos da pandemia do coronavírus e da guerra entre Rússia e Ucrânia, um novo episódio da crise aberta envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) agrava e atrasa a retomada da combalida economia brasileira, segundo especialistas consultados pela reportagem de O TEMPO.

O mais recente episódio do conflito entre os poderes ocorreu na última quinta-feira (21), quando o presidente anunciou a concessão do perdão aos crimes do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo STF por 10 votos a 1 na quarta-feira (20). 

No entanto, a crise institucional entre Executivo e Judiciário se arrasta pelo menos desde meados de 2020, quando o presidente do STF, Luiz Fux, precisou delimitar, em decisão judicial, a interpretação constitucional de que o Exército não pode agir como poder moderador, intervindo no Legislativo, Executivo ou Judiciário. 

Na sequência, um dos momentos de maior tensão dessa crise ocorreu no 7 de Setembro de 2021, quando Bolsonaro ensaiou uma ruptura institucional ao prometer para apoiadores que não cumpriria decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no período das eleições. 

De lá para cá, com breves períodos de trégua, Bolsonaro seguiu atacando Moraes e outros ministros da Corte, como Luís Roberto Barroso (ex-presidente do TSE) e Edson Fachin (atual presidente da Corte eleitoral). 

No campo econômico, a inflação atingiu o patamar de 11,30% nos últimos 12 meses. A taxa de desemprego está em 11,2%, segundo levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os preços dos combustíveis sofreram alta e há postos vendendo gasolina por mais de R$ 8 desde março, quando ocorreu o último reajuste da Petrobras.  

Para completar, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cogitou, na última quinta-feira, elevar a taxa de juros – a Selic – em mais um ponto percentual. No momento, a taxa básica de juros da economia brasileira está em 11,75% ao ano.

Respeito à ordem jurídica em dúvida por causa do perdão presidencial

Avaliando esse cenário, Roberto Bocaccio Piscitelli, professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), nota que o indulto decretado por Bolsonaro em benefício de Daniel Silveira levantou dúvidas sobre o respeito às regras do país. 

“O perdão do presidente criou grande dúvida sobre o respeito à ordem jurídica, pois as decisões ficam sujeitas a serem revogadas a qualquer momento. Isso cria um clima de muita instabilidade na sociedade, parece que essa é a constante do Brasil de hoje”, observa o especialista.

“Essa é a sensação que fica e o temor, dos cidadãos, de modo geral, porque é muito ruim para o processo democrático e para as perspectivas econômicas a curto e médio prazo. Isso vai nos atrasar ainda mais. É muito preocupante a situação em que se encontra o país, nas relações entre os poderes e o respeito à ordem jurídica vigente”, acrescenta Piscitelli.

Lembrando dos reflexos da pandemia do coronavírus e da guerra entre Rússia e Ucrânia na economia, Hugo Garbe, doutor em Economia e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, ressalta que as eleições já costumam configurar como um agravante econômico, pois englobam ataques entre oposição e situação que provocam instabilidade política.

“Além da crise entre o presidente e o STF, de modo geral as eleições causam impactos, isso já era previsto. Então o segundo semestre será muito desafiador por conta da instabilidade política e necessariamente vai gerar uma prorrogação de investimentos estrangeiros no Brasil. É importante ter consciência disso e apertar os cintos, porque teremos mais tempos turbulentos neste ano”, prevê o especialista.

Impactos na população de baixa renda, pequenos e grandes empresários

Marilson Dantas, professor de Contabilidade da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em custos e governança pública, chama atenção para os efeitos dessa crise institucional na população mais vulnerável economicamente, além dos pequenos e grandes empresários.

“Essas pessoas têm menos condições de enfrentar turbulências na economia. Isso também faz com que as grandes empresas recuem no processo de planejamento de novos investimentos, por medo e insegurança do que vai acontecer no que diz respeito às leis, às regras”, observa Dantas e completa: “Essa instabilidade encarece o crédito, dificultando os investimentos das famílias. A insegurança faz com que as pessoas evitem fazer investimentos, pois as regras podem mudar a qualquer momento”.

Olhando ainda para a retomada da economia e geração de renda para os brasileiros, Garbe explica como essa crise política impacta a vida dos trabalhadores.

“Geralmente o investidor produtivo vai abrir uma fábrica ou um escritório que vai gerar emprego e renda para a população brasileira. Quando esse investidor prorroga, o emprego que era para ser gerado neste ano poderá ser gerado só no ano que vem, então é um impacto indireto no trabalhador brasileiro”, nota o especialista.

“A economia gosta de segurança. O capital é covarde, diante da incerteza ele foge do país e vai para outro lugar onde se sente mais seguro. Em épocas de turbulência política, nunca é bom para a economia e acaba tendo esses reflexos de forma direta”, reforça Garbe.

Recuperar a segurança jurídica para melhorar a economia

Garbe destaca que uma das variáveis determinantes para a recuperação econômica é a segurança jurídica. "Esse tipo de impasse político pode afastar o grande investidor e investidor estrangeiro, ou pelo menos prorrogar investimentos no Brasil. Quando os investidores enxergam uma instabilidade política e até jurídica no país, geralmente os investimentos são prorrogados, com efeitos nefastos na geração de emprego e renda.”

Acompanhando essa perspectiva, Dantas observa que a instabilidade política no mundo globalizado dificulta a construção de uma imagem de confiança no país no mercado internacional. 

“Essa instabilidade faz com que as empresas, especialmente as grandes, recuem no planejamento de novos investimentos por medo. Isso afeta especialmente no mundo globalizado, o respeito aos contratos e às regras são pré-condições para que o país seja um parceiro confiável do mercado internacional.” 

Ainda segundo Dantas, a saída para a superação das instabilidades política e econômica passa pela melhoria na governança, o que envolve também a criação de políticas públicas voltadas para a solução dos problemas do país.

“Melhorar o processo de governança e a gestão pública é uma condição para superar esses momentos de instabilidade, com pandemia, com guerra, que se refletem na economia. O país ter de enfrentar ainda esse conflito entre poderes só prejudica nossa retomada econômica”, enfatiza Dantas.

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