Sem vínculo com CLT

Lula: 'Regulamentação de trabalho para motoristas de apps não retira autonomia'

Presidente enviou ao Congresso projeto para regulamentar trabalho de motorista de aplicativo; em outra frente, petista prometeu 'encher o saco do Ifood'

Por Hédio Júnior | Manuel Marçal | Renato Alves
Publicado em 04 de março de 2024 | 17:42
 
 
 
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o projeto de lei, enviado nesta segunda-feira (4) ao Congresso Nacional, que trata sobre a regulamentação da relação de trabalho entre motoristas de aplicativos e as plataformas não retiram a autonomia dos condutores. Segundo ele, o que o texto faz é garantir direitos mínimos para que os motoristas não fiquem “na rua da amargura”.  

“Foi parida uma criança nova no mundo do trabalho. As pessoas que querem autonomia, terão autonomia, mas elas precisam de um mínimo de garantia”, afirmou o petista durante cerimônia de assinatura do texto, realizada no Palácio do Planalto.  Se a proposta for aprovada no Legislativo, como espera o governo, os motoristas de aplicativo passarão a contar com uma categoria autônoma, ou seja, sem vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

Pelo projeto, essa nova classe de motoristas de apps, como Uber e 99, será chamada de "trabalhador autônomo por plataforma". A proposta enviada ao Congresso Nacional, que depende do aval de deputados e senadores, estabelece a jornada máxima de 8 horas diárias - podendo chegar a 12 horas, se houver acordo coletivo. Ainda segundo o texto, os motoristas receberão um valor mínimo por hora trabalhada e podem juntamente com as empresas contribuir com o INSS.

O texto do governo federal é resultado de uma negociação entre o Ministério do Trabalho e representantes dos apps no Brasil. Inicialmente, o projeto prevê a regulamentação apenas do transporte de passageiros. Isso porque o governo ainda não conseguiu acordo com as plataformas de transporte e entrega de alimentos e encomendas, como Ifood e Rappi.   

“O Ifood não quer negociar, mas nós vamos encher tanto o saco que o Ifood vai ter que negociar”, anunciou Lula durante seu discurso.  

Motoboys e entregas

O Ministério do Trabalho e Emprego do Trabalho pretende reabrir uma negociação em um segundo momento para resolver a situação desses profissionais que realizam a entrega de compras e alimentos. O titular da pasta, Luiz Marinho, avaliou em seu discurso que o modelo de negócios dessas empresas é "altamente explorador", e citou o Ifood, Mercado Livre e demais empresas de entrega.

Segundo ele, as companhias reportaram ao governo que o padrão dessa negociação não cabia no modelo delas. Diante disso, Marinho disse que motoboys e motociclistas são uma "categoria ainda mais sofrida", mas que o PLC encaminhado nesta segunda-feira ao Congresso Nacional já representa um primeiro passo e que pode ajudar a sensibilizar demais segmentos da economia e da sociedade. 

Crédito para motoristas de aplicativo trocarem de carro

O presidente Lula prometeu que o governo federal vai discutir, junto aos bancos, um crédito para motoristas de aplicativo de transporte de passageiros poderem trocar de carro. "Vamos ver como é que a gente vai baratear uma linha de crédito pra vocês. Porque passageiro também não gosta de carro velho. Tudo isso vira responsabilidade nossa daqui pra frente", afirmou. 

No entanto, o ministro do Trabalho e Emprego esclareceu que o tema está em fase inicial de discussão. Luiz Marinho declarou que será "preciso dialogar com as áreas de governo" para ver o formato do programa "para facilitar troca de peças do carro".

Congresso Nacional 

A proposta de regulamentação da relação de trabalho entre trabalhadores e plataformas foi encaminhada em regime de urgência constitucional ao Congresso Nacional. Isso quer dizer que os deputados terão 45 dias para apreciar o texto, e caso aprovado pelos deputados, os senadores terão igual período para avaliar. Caso contrário, a matéria irá “trancar a pauta” do Legislativo.  

Nesse sentido, o petista disse que, da parte do governo, o Palácio do Planalto "fará tudo" para que o texto ser aprovado o quanto antes. Ainda assim, convocou os sindicalistas e trabalhadores a pressionarem os líderes das bancadas para aprovação do PLC.

“Vocês terão que trabalhar com os deputados. Toda bancada tem um líder, então é importante procurar esse líder para conversar”, frisou. “É importante saber que vai aparecer gente contra, sempre tem gente contra. Então, é preciso que a gente não fique com raiva com os do contra. A gente tem que ter paciência”. 

Entenda a proposta

O texto é resultado de 10 meses de negociação, com muitas idas e voltas, e que envolveu propostas e vetos de representantes do governo, dos trabalhadores e das empresas. A Proposta de Lei Complementar (PLC) trata ainda sobre a sindicalização dos trabalhadores do setor. Dessa forma, a entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”.  

Entre as atribuições dessas entidades sindicais estarão: negociação coletiva; assinar acordo e convenção coletiva; e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.  

Confira ponto a ponto os detalhes da minuta: 

  • Se o texto for aprovado pelo Congresso, os motoristas de app formarão a categoria de “trabalhador autônomo por plataforma”.  
  • Não haverá qualquer “relação de exclusividade entre trabalhador e empresa”. Trabalhadores e empresas farão negociação coletiva por meio de sindicatos. 
  • A jornada diária será de oito horas, mas poderá chegar a 12 horas se houver acordo com sindicatos da categoria.  
  • A empresa fornecerá aos motoristas cadastrados vale-refeição diário, estipulado no acordo, a partir da sexta hora trabalhada por dia.  
  • A empresa também se comprometerá a fornecer serviços médico e odontológico para os motoristas cadastrados e seus dependentes; 
  • As empresas deverão manter à disposição dos motoristas pontos de apoio — em locais a serem definidos com o sindicato —, com refeitório, primeiros socorros, sanitários “em perfeitas condições” e água potável. 
  • Os trabalhadores terão um piso por hora rodada. Esse valor será de R$ 32,09 – R$ 8,02 referentes ao serviço e R$ 24,07, aos custos do trabalhador. 
  • Nenhum motorista poderá ganhar menos que R$ 10 por saída, R$ 2 por km e R$ 0,21 por minuto, no caso da categoria “X” ou equivalente, por exemplo. No caso da “Black”, o mínimo por saída será R$ 15; 
  • A base de remuneração será o salário mínimo (hoje em R$ 1.412), e o cálculo usará a hora efetivamente rodada (entre a aceitação da corrida e a chegada ao destino do passageiro). 
  • Haverá contribuição previdenciária ao INSS, com alíquota de 27,5% – desse valor, 20% serão recolhidos pelas plataformas e 7,5% pelos trabalhadores; 
  • Com a contribuição, os motoristas terão direito a benefícios como aposentadoria por idade, pensão por morte e auxílio-doença, por exemplo. 
  • Sobre o banimento do motorista do aplicativo: em casos ocorridos após infrações tidas como leves, ele poderá reingressar na plataforma depois de uma reciclagem, comprovada junto ao sindicato. Em caso de infrações graves ou gravíssimas, o motorista poderá apresentar sua defesa no sindicato, que será analisada por uma junta paritária, com integrantes do sindicato e da empresa. 

Trabalho aos domingos 

Ainda durante o evento no Palácio do Planalto, o presidente Lula disse que não é contra o trabalho aos domingos. Ainda assim, defendeu um tratamento diferenciado na jornada dos trabalhadores, de modo que eles não sejam obrigados a trabalhar todo sábado e domingo, o que, na avalição do presidente, impossibilitaria a pessoa a ficar longe dos familiares.  

"Eu não sou contra o trabalhador do comércio trabalhar no domingo, porque muita gente só pode ir fazer compra no final de semana, ou depois das 19h, 20h da noite. Tem gente que não pode de dia. Mas isso não significa que você tem que obrigar o cara a trabalhar todo sábado e domingo, proibir o cidadão de passar o final da semana com seus familiares", declarou. 

Em seguida, lembrou que em outros setores da sociedade, como na área de saúde, existem os plantonistas, e que é possível criar uma outra categoria para os trabalhadores do comércio, de modo a atender a demanda do público.  

“Nós temos que resolver o problema dos comerciários. Os sindicatos não são contra de trabalhar no domingo, querem que as pessoas tenham uma jornada respeitada e um tratamento diferenciado para atender uma demanda extra que a sociedade precisa e que o dono do shopping precisa", completou o presidente.  

 

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